Arquivo mensais:julho 2013

Santo Estadista – O Rei Luís IX ou São Luís

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 Simone Martini (Siena, 1284, Avignon, 1344). Cenas da Vida de São Luís, têmpera no painel, Galeria Nacional Capodimonte, Napoli, Itália.

Luís IX (1226-1270) tornou-se rei aos 12 anos de idade, sendo colocado no trono sob a regência chefiada pela sua mãe, Branca de Castela. Embora a sua menoridade tenha terminado, oficialmente, em 1234, Branca dominou o seu filho até morrer, em 1252. A canonização de Luís, em 1297, a importância do seu reinado na santificação da monarquia, aos olhos de seus súditos, e a sua preocupação com as cruzadas foram os aspectos mais enfatizados do seu reinado. João de Joinville, que acompanhou Luís numa cruzada, escreveu a memória das suas experiências, depois de 1304, para a instrução do futuro Luís X (1314-1316). Joinville apresenta inúmeros exemplos, ilustrando a piedade de Luís, o seu amor pelos pobres, a sua caridade e ascetismo pessoal, o seu horror à heresia e à blasfêmia e a sua reverência pela justiça.

No entanto, o enquanto rei na terra, São Luís deixou um legado misto: centralizou e institucionalizou o Governo, governou num período de relativa concórdia doméstica, alargou significativamente a jurisdição apelativa do tribunal real e não era uma ferramenta nem dos papas nem do clero francês. Todavia, deixou uma dívida esmagadora, justificada em grande parte pelas suas duas cruzadas. A sua maturidade foi dominada pelo desejo de tomar a Palestina. Depois de recuperar-se de uma grave doença, partiu para o Oriente em 1248. A sua cruzada foi um verdadeiro desastre, para ele e para o Estado francês: a sua saúde ficou arruinada e o tesouro vazio. Luís considerou que o fracasso desta cruzada era consequência dos seus próprios pecados e envergou uma camisa de cabelos, como penitência, até o fim da sua vida.

Mais importante ainda foi a perseguição da ideia, até o fim do seu reinado, de que, para atenuar a sua humilhação, teria de fazer uma conquista bem sucedida. O seu rendimento anual em 1244 era, aproximadamente, cerca de um quarto do que a primeira cruzada lhe tinha custado. Cobriu a diferença tomando propriedades aos judeus, cobrando impostos de cruzadas aos súditos do reino, à Igreja francesa (apesar de ter a aprovação do papa) e contraindo empréstimos junto aos banqueiros genoveses e dos Cavaleiros Templários. O seu alargamento da justiça real também se revelou lucrativo, mas exigia custos administrativos adicionais.

Filipe Augusto tinha permitido aos nobres do norte fazerem uma cruzada contra os heréticos “albigenses” do sul sul da França, mas não tomara parte ativa nessa ação. Luís VIII e São Luís perseguiram, intensivamente, os albigenses. O condado de Tolosa reverteu para a Coroa em 1270, como resultado direto da intervenção real. A outra única grande adição de Luís IX ao domínio real foi a compra do condado de Mâcon, em 1239.

Vimos como Luís IX regularizou as relações com a Inglaterra em 1259. O acordo desagradava tanto na França como na Inglaterra; podia-se apelar para o tribunal real francês na Gasconha, acabando os franceses por adquirir o direito de reunir tropas nessa área. Luís negociou uma trégua semelhante com Jaime I de Aragão, que entregou as suas pretensões para o Languedoc e para a Provença enquanto luís abandonava as pretensões francesas para Barcelona e para o Roussillon. Em nenhum dos casos os resultados foram permanentes; as hostilidades com os ingleses, em relação a Gasconha, irromperam em 1290, bem como as com Aragão, em relação ao seu apoio a Manfredo contra Carlos de Anjou, o irmão mais novo de Luís, na Itália. Luís permitiu que os inquisidores papais reunissem tribunais na França, mas recusou aceder aos pedidos do papa para uma cruzada contra o imperador Frederico II. Ao ajudar Carlos de Anjou, Luís deu início a um envolvimento fatal a longo prazo.

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O rei Luís IX da França ao embarcar para a última cruzada em 1270. Manuscrito séc. XIV.

A estratégia da sua segunda e última cruzada, ele morreu no Egito em 1270, pode, na verdade ter sido ditada pelas necessidades políticas de Carlos no Mediterrâneo ocidental.

O Governo local francês foi fortalecido e a cadeia de comando na administração regularizada à medida que os meirinhos e senescais eram colocados sobre grupos de magistrados militares. No entanto, alguns abusos dos meirinhos levaram Luís, a partir de 1247, a nomear enquêteurs (inquisidores), nomeadamente frades, para os controlarem. Embora os príncipes tenham continuado a governar os seus territórios, a partir da época de São Luís as ordenações reais eram consideradas válidas fora do domínio real e os príncipes tinham de as fazer cumprir. Normalizou a cunhagem fazendo que as emissões de moeda real fossem as únicas válidas dentro do domínio real; em outros locais, circulavam juntamente com as cunhagens dos príncipes.

O reinado de Luís IX foi importante para a profissionalização e regulação da justiça francesa. As sessões judiciais do conselho real passaram a ser fixas em Paris, a partir de 1248, onde comitês de cavaleiros e clérigos emitiam julgamentos em nome de todo o conselho. As reuniões gerais do conselho real tornaram-se raras, sendo utilizadas, sobretudo, para assuntos de Estado solenes, tais como como a emissão de ordenações. Os procedimentos dos tribunal do rei (o Parlamento) foram colocados por escrito, pela primeira vez, durante o seu reinado e desde 1254 que sobrevivem. O Parlamento de Paris tornou-se o supremo tribunal do reino, e os apelos feitos para ele tornaram-se mais numerosos com a aproximação do final do reinado de Luís. Os casos reservados para a Coroa foram alargados e o Parlamento obteve o direito de intervir quando os juízes achavam que se estava a negar justiça, mesmo que não se fizesse qualquer apelo. O Parlamento começou a enviar comissários para as províncias para obterem inquéritos juramentados. Esta função desenvolveu-se no século XIV, num departamento distinto, a “Câmara dos Inquéritos”.

O fato das leis usuais das várias províncias se terem desenvolvido tanto tempo, antes de a jurisdição real se ter tornado um decreto, significou que a França não iria encontrar nenhuma “leis dos comuns” semelhante na Inglaterra. Totalmente diferenciada das variações provinciais, também existia uma diferença considerável entre a lei escrita do sul da França e a lei normal das regiões do norte. Desde a época de Filipe III (1270-1285), o sucessor de Luís IX, que o Parlamento possuía um departamento separado para os casos que se encontravam sob a lei escrita ou sob a lei romana.

No século XIII, as despesas do governo cresceram tremendamente, tanto na França como na Inglaterra. A mecânica do Governo sobre as populações civis era, todavia, apenas parcialmente responsável por isto. Embora o rendimento normal de Luís IX (aquele que recebia dos domínios reais) fosse cerca do dobro dos de Filipe Augusto, as suas cruzadas eram extremamente caras. Foi um grande construtor de igrejas, o que implicava ter dinheiro. No entanto, apesar da crescente necessidade de recursos, nem a monarquia francesa nem a inglesa tentaram implementar novas formas de angariar dinheiro senão depois de 1270. Os rendimentos mais elevados eram o resultado de uma mais eficiente exploração dos direitos que o rei já possuía.

As maiores fontes de rendimento dos governantes franceses eram as ajudas de custo e os incidentes feudais que eles convertiam em dinheiro. Os legisladores reais começaram a afirmar que toda a terra na França era detida como feudo do rei, o que significava, em princípio, que toda a terra era tributável. Luís IX tomo a cruzada como um incidente feudal, cobrando os incidentes às cidades. Os reis também fiscalizavam a “tributação geral”, a obrigação dos homens livres em prestarem serviço em defesa da pátria numa situação de emergência militar, tomando uma taxa daqueles a quem não era pedido que servissem, pessoalmente, no Exército real.

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 Psalter of Saint Louis,1253-1270. Manuscrito século XIII – Bibliotheque Nat.,Coll.des Manuscripts, Paris, France

Paulo Edmundo Vieira Marques

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A Investidura de um Príncipe no Século XII

Eis tal como é contada nas Chroniques des comtes d”Anjou et des seigneurs d’Amboise, a investidura de Geoffroy Plantageneta no Pentecostes, a 10 de junho de 1128, em Roen.
Espero que com essa pesquisa e análise, eu tenha a possibilitado de auxiliar o meu amigo e escritor Sergio Gallina em suas peregrinações investigativas sobre esse período para a confecção de sua próxima obra.

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Manuscrito século XII. Investidura príncipe, o saber e o conhecimento. BNF. Fla.43.

“Ao nascer do dia, segundo o costume relativo à recepção dos novos cavaleiros, preparou-se um banho. Quando o rei (da Inglaterra) soube pelo seu camareiro que Angevin e os que tinham vindo com ele haviam terminado as suas abluções* , mandou-os ir à sua presença. Após ter lavado o corpo e saído do lugar da ablução, o nobre descendente do conde de Anjou foi vestido com uma camisa de linho; por cima levou um traje tecido a ouro e uma cota curta cor de púrpura. Vestiu calções de seda e calçou sapatos com imagens de pequenos leões de ouro, inclusive no salto. Os seus companheiros, que esperavam receber com ele a cavalaria, estavam todos igualmente vestidos de linho e púrpura. Assim enfeitados, produzidos com tais adornos, aliando a brancura do lírio à púrpura da rosa, o futuro genro do rei (da Inglaterra) abandonou os seus aposentos privados e surgiu em público, junto com a sua nobre companhia. Foi então que trouxeram os cavalos e as armas; entregaram-nos a cada um, segundo as suas necessidades. A Angevin, entregaram um magnífico cavalo da Espanha, tão rápido, dizia-se, que ultrapassava amplamente na corrida os pássaros voando. Revestiram-no de uma incomparável de malha dupla, que nenhum golpe de lança ou dardo podia trespassar. Vestiram-lhe também calções de dupla malha de ferro. Ajustaram-lhe as esporas de ouro; penduram-lhe ao pescoço um escudo pintado dom dois pequeninos leões de ouro; na cabeça colocaram-lhe um capacete brilhante com numerosas pedras preciosas, tão bem temperado que nenhuma espada podia furá-lo ou amolgá-lo. deram-lhe uma lança de freixo**, com ponta de ferro do Poitou. Finalmente, entregaram-lhe uma espada retirada do tesouro real, com a marca antiga do famoso ferreiro Véland, que outrora a forjara com grande cuidado através de múltiplas operações e zelo. Assim armado, o nosso cavaleiro, que cedo viria a ser a flor da cavalaria, monta a cavalo com uma agilidade extrema. Que mais dizer? Nesse dia, em honra dos novos cavaleiros e em alegria, passou-se todo o tempo em exercícios guerreiros; o regozijo em honra dos novos recrutas duraram sete dias inteiros no palácio real”.

*Purificação pela lavagem de todo o corpo ou parte dele. As abluções parecem ser quase tão antigas quanto a própria adoração exterior. Moisés as ordenou, os pagãos as adotaram, e Maomé e seus seguidores fizeram que elas perdurassem: dessa forma elas têm sido introduzidas entre muitas nações, e compõem uma parte considerável de todas as religiões supersticiosas. Os sacerdotes egípcios tinham suas abluções diurnas e noturnas; os gregos, suas aspersões; os romanos, suas purificações e lavagens; os judeus, sua limpeza de mãos e pés, além de seus batismos; os antigos cristãos praticavam a ablução antes da comunhão, o que a igreja romana ainda conserva antes da missa, algumas vezes depois; os sírios, coptas, etc., têm suas lavagens solenes na sexta-feira da Paixão; os turcos, suas abluções mais e menos importantes, etc.
A purificação, entre os romanos, era uma cerimônia solene pela qual eles purificavam suas cidades, campos, exércitos ou o povo, depois de qualquer crime ou impureza. As purificações poderiam ser realizadas por fogo, enxofre, água ou ar; o último era aplicado por ventilação, ou abanava-se aquilo que seria purificado. Todas as classes de pessoas, com exceção dos escravos, poderiam realizar algum tipo de purificação. Quando uma pessoa morria, a casa devia ser limpada de uma maneira específica; pessoas recém casadas eram aspergidas com água, pelo sacerdote. As pessoas, algumas vezes, em suas purificações, corriam nuas várias vezes pelas ruas. Raramente havia algum ato realizado que no começo e final do qual alguma cerimônia não era exigida para purificarem-se e acalmarem os deuses.

**O freixo (Fraxinus excelsior) é uma árvore da família das Oleáceas, a mesma família a que pertence a oliveira.

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O Livro dos Príncipes, Bodleian Library- Manuscripts. Séc. XIV

Paulo Edmundo Vieira Marques

 

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