O caminho para o local da execução e a própria execução são objeto de uma cerimônia na qual todos os momentos têm um sentido. A rua que conduz ao suplício é sempre a mesma, em todas as cidades, e deve ser cheia de muito público: o cortejo passa a uma hora de atividade, se possível num dia de feira. A multidão aperta-se. Essa mesma multidão também pode ser solicitada quando das paradas do cortejo, geralmente nas encruzilhadas, para insultar o condenado ou alvejá-lo com pedras e lama. “Batei forte e não poupeis este debochado, pois ele prestou um serviço bem pior!” grita ainda o público. O condenado é posto numa carroça, a carroça da infâmia que é a mesma lama e do lixo das ruas. No momento da execução, um responsável pela justiça grita o ato de acusação, o dictum, ao povo que o escuta. Depois o carrasco faz o seu ofício.
os gestos e os gritos que marcam o tempo da cerimônia têm um sentido simbólico. A pena deve revestir-se de um valo exemplar e o poder afirma assim a sua roça. Mostra aos olhos de todos que pode ser poder de morte. Todos os teóricos políticos do fim da Idade Média que refletem sobre a importância da pena de morte insistem nesse ponto. A punição para exemplo manifesta-se a partir do reinado de São Luis e aumenta nos fins do século XV, no reinado de Luis XI, como o testemunham numerosas decapitações por motivos políticos, como por exemplo a execução do conde de Saint-Pol. E o próprio rei dizia que “não se pune o malfeitor pelo mal feito mas para dar o exemplo”.
A multidão esta presente para receber o exemplo e, como esta aterrorizada, pode ser dominada. Mas a multidão também esta presente para participar na execução e a sua presença é necessária à realização da pena. É testemunha da infâmia que, pouco a pouco, no decorrer do ritual judiciário, lança o condenado para fora do mundo dos vivos, excluindo-o como inútil ao mundo e irrecuperável. Tudo concorre para construir a infâmia do condenado cuja honra deve ser achincalhada para que se possa aplicar a pena. A presença do público garante a eficácia da vergonha e da lembrança da pena.
Numa época em que a honra se manifesta mais pela fama, isto é, pelo olhar e pelo julgamento que os outros dirigem sobre o indivíduo, essas cerimônias criam uma infâmia irreversível. Alguns, condenados, pedem para serem condenados de noite, e se possível afogados em vez de enforcados porquanto a desonra do cadafalso recai na totalidade dos seus familiares. Isto porque a lembrança da pena perdura para lá do castigo. Os corpos enforcados ficam por vezes vários anos na forca, até caírem em pó, e é preciso uma autorização especial da justiça para que os parentes os possam retirar e enterrar.
O ritual da pena de morte, tal como instalado no final da Idade Média, mostra bem a condenação é vivamente sentida como um atentado à honra pessoal e familiar. Mas o povo também esta presente para ser ativo. Como vimos, intervém através de gestos e de gritos que relembram o linchamento. Por outro lado, a sua presença pode revelar-se benéfica. De fato até o último minuto, a multidão pode intervir para fazer de modo a que o condenado seja agraciado, perdoado.
O medievo não foi uma Idade das Trevas mas teve suas particularidades cotidianas negativas.
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