A arma que derrubava cavaleiros, fatal, instigante e intrigante. Uma arma mortífera a ponto de ser proibida pela Igreja de ser usada contra cristãos: essa era a besta, uma arma cujas setas poderiam, em certas condições, perfurar as cotas de malha e as armaduras de placas do soldado medieval.
A besta, balesta ou ainda balestra é uma arma com uma base semelhante a uma espingarda, com um arco acoplado, que dispara setas ou virotes. Como a corda do arco é tensionada e retida em um suporte, a sua potência não depende da capacidade física do atirador, permitindo um disparo mais potente que o de um arco comum.
O arqueiro genovês. Na pintura de Hans Holbein The Elder – o martírio de São Sebastião
É difícil precisar sua origem, já que diversos povos a usaram. O que certas fontes nos indicam é que os chineses já desenvolveram uma arma deste tipo séculos antes da Era Cristã. Ferrolhos de bronze de bestas foram encontrados na China, em sítios arqueológicos que remontam ao século V a. C. e os mais antigos documentos chineses que citam a arma são do século IV ou III a.C. Certamente, o famoso estrategista Sun Tzu conhecia as bestas. Ele atribuiu a invenção a um soldado de nome Q’in do século VII a.C., contudo, as datas da vida de Sun Tzu e de sua primeira publicação da Arte da Guerra, também estão sujeitas a controvérsia, portanto não podem ser usadas para estabelecer as primeiras aparições da arma sem haver dúvidas.
No mundo grego, o historiador Diodorus Siculus (séc. I a.C), descreve a invenção de uma catapulta com um arco (katapeltikon), usada por uma força grega em 2339 a.C. Essa arma seria inspirada em uma besta de mão chamada gastraphetes, uma besta que se apoiava no abdômen do atirador.
Iluminura de autor desconhecido. Besta na defesa de um cerco a um castelo. Entre 1220 e 1250. Fonte: British Library.
Na Idade Média, as bestas se proliferaram, inúmeros combatentes a possuíam. Ainda que um arco possua precisão comparável e taxa de tiro maior que uma besta média, a besta libera muito mais energia cinética, sendo, portanto, mortais contra armaduras, além de poderem ser usadas de forma eficaz após um treinamento de uma semana. Enquanto isso, para alcançar a habilidade no manejo de um arco, era necessários anos de treinamento.
Nos exércitos europeus, besteiros ocupavam uma posição central em formações de batalha. Normalmente, eles atacavam antes do avanço dos cavaleiros. Besteiros também eram importantes em contra-ataques para proteger a infantaria. Junto com armas feitas a partir de equipamentos agrícolas, a besta também era usada por camponeses rebeldes, como se mostrou na revolta dos Tamboritas (séc. XV), uma comunidade religiosa na região da Boêmia, considerada herética pela Igreja Católica.
Cavaleiros montados equipados com lança provaram-se ineficazes contra formações de piqueiros combinados com besteiros, geralmente eram recrutados os genoveses, os mais habilidosos, cujas armas podiam penetrar a armadura da maioria dos cavaleiros. O desenvolvimento de mecanismos para rearmar permitiu o uso de bestas sobre o cavalo, levando ao surgimento de novas táticas de cavalaria.
Batalha de Crécy, Guerra dos Cem anos. Apesar já do uso de armas de fogo em combate, nota-se na ilustração, inúmeros besteiros em combate. Chroniques de Jean Froissart.
Devido à sua letalidade a besta foi proibida pela Igreja Católica de ser usada de cristãos contra cristãos, ficando seu uso liberado contra “infiéis”. O II Concílio de Latrão, em 1139 emitiu a primeira proibição, reforçada por um breve do papa Inocêncio III. Claro que essas ordens eram sumariamente ignoradas nas batalhas europeias. O rei inglês Ricardo Coração de Leão morreu por complicações devido a um ferimento causado pela seta de uma besta, em 1199.
Progressivamente, a besta foi substituída pela arma de fogo, apesar de as primeiras armas terem taxas de recarga mais baixas e menor precisão que as bestas contemporâneas.
Professor Paulo Edmundo Vieira Marques
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