Veneza, maravilhosa, Veneza, sempre.
“Se eu tivesse que encontrar uma palavra que substituísse “música”, eu só conseguiria pensar em Veneza.”
– Friedrich Nietzsche
“Veneza: sua existência não é apenas triunfo da engenharia;
Deus a colocou em equilíbrio…acredite!!!
Ninguém sai de Veneza indiferente”.
A cidade foi formada em pequenas ilhas, dunas de areia da laguna de Veneza, a noroeste do mar Adriático. Habitantes de cidades próximas logo se refugiaram lá para se proteger dos bárbaros que vinham tomando conta da Europa. Foi uma das cidades mais importantes da Europa, com uma história rica e um império de influência mundial comandado pelos doges, os líderes da cidade. Graças à localização privilegiada no meio da rota entre o Oriente e o Ocidente, excelentes navegadores e poderio militar, a cidade tornou-se um próspero centro mercantil e naval. Tornou-se uma potência comercial a partir do século X, quando sua frota já era uma das maiores da Europa. O historiador Fernand Braudel classificou-a como a primeira capital econômica do Capitalismo. O patrono da cidade é San Marco (São Marcos) o grande navegador que deu nome a Piazza San Marco, uma das mais famosas do mundo.
Hoje é Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Dos muitos monumentos e locais turísticos existentes, destacam-se a imponente Basílica de São Marcos, na Piazza San Marco, a famosa Ponte de Rialto sobre o Canal Grande, construída em 1588 segundo projeto de Antonio da Ponte, o Campanário, a Ca’ d’Oro, o Palazzo Ducale e numerosas igrejas e museus.
Em 828, dois mercadores trouxeram de Alexandria para Veneza as relíquias do Evangelista São Marcos. Desde então, passou a ser o padroeiro dessa encantadora cidade e seu símbolo, o leão alado, marca os prédios, as ruas e até os objetos ornamentais da “rainha do Adriático”.
A cidade de Veneza, conhecida em todo o mundo pelos seus canais, pontes, palácios e tantas outras maravilhas, deve muito de sua merecida fama a seu padroeiro, São Marcos. Caminhando ou navegando por suas ruas encantadoras, pode-se contemplar por toda parte, até nas gôndolas, o emblema da cidade: o leão alado com a Sagrada Escritura, representação do santo Evangelista. O que tem a ver com a outrora “Aristocrática e Sereníssima República de Veneza” esse grande Santo que viveu e morreu em terras muito distantes, no Oriente?
Segundo uma lenda vêneta, numa noite fria de há quase dois mil anos, um pequeno barco proveniente da Aquiléia, fugindo do mau tempo, aportou numa ilhota de uma laguna pantanosa do Mar Adriático. Exaustos, tripulantes e passageiros desembarcaram e abrigaram-se nas cabanas dos pescadores que lá viviam. Entre os viajantes estava um jovem de nome Marcos. Contrastando com o lúgubre local e a tristeza daquela noite, ele contava com vivacidade aos seus companheiros de navegação e aos nativos uma história surpreendente a respeito de um homem que se dizia Filho de Deus e viera à terra para revelar a Boa Nova. Todos ouviam com interesse e curiosidade. Cheio de entusiasmo, narrou- lhes os milagres operados por Jesus de Nazaré. Falou-lhes de seu mestre, Pedro, ele também pescador outrora. Explicou-lhes que o Messias, morrendo numa Cruz, salvara todos os homens. Impressionados, seus ouvintes não viam correr o tempo, mas, afinal, vencidos pelo cansaço, todos se recolheram. Também o jovem narrador procurou um local digno para repousar e logo adormeceu. Em sonhos, ouviu uma voz que lhe dizia: – Marcos, Marcos, olha ao teu redor. Nesta ilha em que te encontras surgirá um dia uma grande e bela cidade, que será uma das maravilhas do mundo. Nela tu encontrarás o teu último repouso.
Deixando de lado a lenda, todos sabem que Veneza foi construída sobre um conjunto de ilhotas situadas no centro de uma laguna do Mar Adriático. São Marcos é o Padroeiro da cidade e seus restos mortais aí repousam na esplêndida Basílica edificada em sua homenagem.
O que os leitores talvez não saibam é como lá foi parar o corpo do glorioso Evangelista, martirizado em Alexandria, no Egito. No final do ano 827, ou início de 828, chegou a essa cidade um grupo de mercadores venezianos, com a difícil incumbência de levar a qualquer custo as relíquias do Santo para Veneza.
Dois deles – Buono da Malamocco e Rustico da Torcello – travaram relacionamento com um monge de nome Staurazio e um sacerdote chamado Teodoro, os quais eram os guardiões do Santuário de São Marcos. E por meio deles foram informados de que o governador árabe de Alexandria não escondia sua intenção de demolir as igrejas cristãs a fim de utilizar o mármore de suas colunas na construção de um palácio. Com isso, as preciosas relíquias corriam sério e iminente risco de serem destruídas. Era preciso agir com habilidade e decisão, qualidades que nunca faltaram aos venezianos!
Os dois mercadores convenceram os guardiões a irem com eles para Veneza, levando as relíquias. Sem perda de tempo, retiraram o corpo de São Marcos – colocando em seu lugar o de Santa Cláudia, que jazia em um túmulo vizinho – e o levaram para o navio. Para despistar a fiscalização alfandegária, depositaram os restos mortais do Santo num grande cesto de vime, cobrindo-o com folhas de couve e postas de carne suína, produto muito malvisto pelos adeptos da religião islâmica.
Porém, de onde menos eles esperavam, surgiu-lhes um grande risco. Pouco antes da partida, uma onda de perfume intenso difundiu-se pelo Santuário de São Marcos e pela cidade de Alexandria, despertando a atenção dos habitantes.
Acorreram todos à igreja, mas, vendo que lá estava, no local de costume, o corpo de “São Marcos”, tranquilizaram-se e cada qual retornou à sua casa.
Restava agora um só obstáculo: ultrapassar a alfândega portuária. Apontando para o cesto de vime, disse um dos mercadores: “Kanzir, kanzir” (carne suína). Fazendo um gesto de horror, os agentes liberaram a passagem sem qualquer verificação.
Após uma viagem repleta de aventuras, na qual foi necessária uma aparição do Santo para salvar o navio do naufrágio, este atracou no porto de Olivolo, onde o bispo local e o doge Justiniano Particiaco receberam com todas as honras as sagradas relíquias. Era o dia 31 de janeiro de 828. Foram elas guardadas provisoriamente num aposento do Palácio Ducal, à espera de ser edificada a esplendorosa Basílica destinada a acolhê-las em caráter permanente.
E assim São Marcos passou a ser Padroeiro de Veneza.
- Paulo Edmundo Vieira Marques – Historiador, Professor, Escritor Medievalista,
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