Monthly Archives: June 2016

Os Leões de Veneza – A Santa Proteção de São Marcos

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Veneza, maravilhosa, Veneza, sempre.

“Se eu tivesse que encontrar uma palavra que substituísse “música”, eu só conseguiria pensar em Veneza.”
– Friedrich Nietzsche 

“Veneza: sua existência não é apenas triunfo da engenharia;
Deus a colocou em equilíbrio…acredite!!!
Ninguém sai de Veneza indiferente”. 

A cidade foi formada em pequenas ilhas, dunas de areia da laguna de Veneza, a noroeste do mar Adriático. Habitantes de cidades próximas logo se refugiaram lá para se proteger dos bárbaros que vinham tomando conta da Europa. Foi uma das cidades mais importantes da Europa, com uma história rica e um império de influência mundial comandado pelos doges, os líderes da cidade. Graças à localização privilegiada no meio da rota entre o Oriente e o Ocidente, excelentes navegadores e poderio militar, a cidade tornou-se um próspero centro mercantil e naval. Tornou-se uma potência comercial a partir do século X, quando sua frota já era uma das maiores da Europa. O historiador Fernand Braudel classificou-a como a primeira capital econômica do Capitalismo. O patrono da cidade é San Marco (São Marcos) o grande navegador que deu nome a Piazza San Marco, uma das mais famosas do mundo.
Hoje é Patrimônio da Humanidade pela UNESCO. Dos muitos monumentos e locais turísticos existentes, destacam-se a imponente Basílica de São Marcos, na Piazza San Marco, a famosa Ponte de Rialto sobre o Canal Grande, construída em 1588 segundo projeto de Antonio da Ponte, o Campanário, a Ca’ d’Oro, o Palazzo Ducale e numerosas igrejas e museus.

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Em 828, dois mercadores trouxeram de Alexandria para Veneza as relíquias do Evangelista São Marcos. Desde então, passou a ser o padroeiro dessa encantadora cidade e seu símbolo, o leão alado, marca os prédios, as ruas e até os objetos ornamentais da “rainha do Adriático”.
A cidade de Veneza, conhecida em todo o mundo pelos seus canais, pontes, palácios e tantas outras maravilhas, deve muito de sua merecida fama a seu padroeiro, São Marcos. Caminhando ou navegando por suas ruas encantadoras, pode-se contemplar por toda parte, até nas gôndolas, o emblema da cidade: o leão alado com a Sagrada Escritura, representação do santo Evangelista. O que tem a ver com a outrora “Aristocrática e Sereníssima República de Veneza” esse grande Santo que viveu e morreu em terras muito distantes, no Oriente?

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Segundo uma lenda vêneta, numa noite fria de há quase dois mil anos, um pequeno barco proveniente da Aquiléia, fugindo do mau tempo, aportou numa ilhota de uma laguna pantanosa do Mar Adriático. Exaustos, tripulantes e passageiros desembarcaram e abrigaram-se nas cabanas dos pescadores que lá viviam. Entre os viajantes estava um jovem de nome Marcos. Contrastando com o lúgubre local e a tristeza daquela noite, ele contava com vivacidade aos seus companheiros de navegação e aos nativos uma história surpreendente a respeito de um homem que se dizia Filho de Deus e viera à terra para revelar a Boa Nova. Todos ouviam com interesse e curiosidade. Cheio de entusiasmo, narrou- lhes os milagres operados por Jesus de Nazaré. Falou-lhes de seu mestre, Pedro, ele também pescador outrora. Explicou-lhes que o Messias, morrendo numa Cruz, salvara todos os homens. Impressionados, seus ouvintes não viam correr o tempo, mas, afinal, vencidos pelo cansaço, todos se recolheram. Também o jovem narrador procurou um local digno para repousar e logo adormeceu. Em sonhos, ouviu uma voz que lhe dizia: – Marcos, Marcos, olha ao teu redor. Nesta ilha em que te encontras surgirá um dia uma grande e bela cidade, que será uma das maravilhas do mundo. Nela tu encontrarás o teu último repouso.

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Deixando de lado a lenda, todos sabem que Veneza foi construída sobre um conjunto de ilhotas situadas no centro de uma laguna do Mar Adriático. São Marcos é o Padroeiro da cidade e seus restos mortais aí repousam na esplêndida Basílica edificada em sua homenagem.
O que os leitores talvez não saibam é como lá foi parar o corpo do glorioso Evangelista, martirizado em Alexandria, no Egito. No final do ano 827, ou início de 828, chegou a essa cidade um grupo de mercadores venezianos, com a difícil incumbência de levar a qualquer custo as relíquias do Santo para Veneza.
Dois deles – Buono da Malamocco e Rustico da Torcello – travaram relacionamento com um monge de nome Staurazio e um sacerdote chamado Teodoro, os quais eram os guardiões do Santuário de São Marcos. E por meio deles foram informados de que o governador árabe de Alexandria não escondia sua intenção de demolir as igrejas cristãs a fim de utilizar o mármore de suas colunas na construção de um palácio. Com isso, as preciosas relíquias corriam sério e iminente risco de serem destruídas. Era preciso agir com habilidade e decisão, qualidades que nunca faltaram aos venezianos!
Os dois mercadores convenceram os guardiões a irem com eles para Veneza, levando as relíquias. Sem perda de tempo, retiraram o corpo de São Marcos – colocando em seu lugar o de Santa Cláudia, que jazia em um túmulo vizinho – e o levaram para o navio. Para despistar a fiscalização alfandegária, depositaram os restos mortais do Santo num grande cesto de vime, cobrindo-o com folhas de couve e postas de carne suína, produto muito malvisto pelos adeptos da religião islâmica.

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Porém, de onde menos eles esperavam, surgiu-lhes um grande risco. Pouco antes da partida, uma onda de perfume intenso difundiu-se pelo Santuário de São Marcos e pela cidade de Alexandria, despertando a atenção dos habitantes.
Acorreram todos à igreja, mas, vendo que lá estava, no local de costume, o corpo de “São Marcos”, tranquilizaram-se e cada qual retornou à sua casa.
Restava agora um só obstáculo: ultrapassar a alfândega portuária. Apontando para o cesto de vime, disse um dos mercadores: “Kanzir, kanzir” (carne suína). Fazendo um gesto de horror, os agentes liberaram a passagem sem qualquer verificação.
Após uma viagem repleta de aventuras, na qual foi necessária uma aparição do Santo para salvar o navio do naufrágio, este atracou no porto de Olivolo, onde o bispo local e o doge Justiniano Particiaco receberam com todas as honras as sagradas relíquias. Era o dia 31 de janeiro de 828. Foram elas guardadas provisoriamente num aposento do Palácio Ducal, à espera de ser edificada a esplendorosa Basílica destinada a acolhê-las em caráter permanente.
E assim São Marcos passou a ser Padroeiro de Veneza.

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  • Paulo Edmundo Vieira Marques – Historiador, Professor, Escritor Medievalista,

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Catedral de Chartres – Os Caminhos da Fé e da Luz

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Saí de Paris às 8:34, pressentindo que algo de maravilhoso me aguardava, a fé e a paz. A estação ferroviária, de onde o trem inicia o trajeto, por sinal muito bonito, para Chartres, é a Gare Montparnasse, não me sai da minha mente aquele caminho. É possível distinguir suas torres desiguais que representam o Sol e a Lua bem antes de chegar ao pequeno vilarejo de Chartres, a 170 quilômetros de Paris. Erguida numa região quase plana, a Catedral levanta-se como uma montanha feita de pedra cinza que pode ser vista da janela do trem. 

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Quando falamos sobre Chartres, estamos na realidade falando da Catedral de Chartres. Belíssimo edifício gótico do século XIII, ponto de partida para a peregrinação até Santiago de Compostela. A catedral se encontra ao lado da estação ferroviária de Chartres. Um pequeno aclive de ruas medievais nos leva ao seu encontro. No trajeto, diante de um frio intenso, chuva fina e frio, quase neve, meu coração pressentia que alguém me chamava. Induzia-me para a fé e a paz.

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Chartres é uma das primeiras catedrais da França. No final do século XII, graças ao apoio da burguesia e da classe trabalhadora, os reis conseguiram retomar a sua autoridade. Enfraquecido o poder feudal vai aos poucos desaparecendo. A população passa a ter maior influência na vida pública, da qual tinha sido até então uma mera espectadora. Eufóricos diante da própria importância, os habitantes de cada região sentem a necessidade de demonstrar sua emancipação. A Catedral será o símbolo da sua vitória. Aí se realizarão não apenas os atos religiosos, mas as atividades comunitárias de todo o grupo, será a casa do povo. Não mais cheia de esculturas e desenhos tenebrosos, mas alta, imponente, iluminada. Que as suas torres pontiagudas tentem atingir as nuvens. Livre do fim do mundo, o povo é animado por um novo sopro de fé. As paredes de seu templo devem deixar entrar a luz do sol em múltiplas cores que lembrem a presença divina. Da necessidade de construir catedrais que correspondessem à euforia e ao misticismo do povo surgiu a arquitetura gótica. As primeiras foram construídas na França, ao redor de onde se encontra a cidade de Paris, uma das primeiras regiões da Europa a erradicar o feudalismo. 

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A catedral atual foi construída entre os anos de 1194 a 1250. Ela é a última versão das quatro igrejas anteriores que existiam ali e que foram destruídas em incêndios devastadores. Chartres foi erguida sobre a penúltima igreja, que era em estilo românico e que hoje é mais conhecida como igreja baixa ou cripta. Tanto a construção românica que serve de alicerce como a própria catedral foram construídas dentro das proporções harmônicas da geometria sagrada e dos números pitagóricos, uma herança vinda dos antigos gregos que foi reabilitada no século XI com Chartres. A geometria sagrada de Pitágoras era baseada na música, e não na arquitetura. Por isso é possível dizer que Chartres é uma composição musical feita em pedra e vidro por autores desconhecidos que sabiam como provocar a ressonância harmônica entre as forças sutis e o ser humano por meio do uso consciente da geometria.

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Quando foi reinaugurada em 1250, Chartres imediatamente chamou atenção de toda a Europa. A construção era o que de mais moderno existia em matéria de arquitetura e uma absoluta novidade para a época. Era a segunda igreja do continente a ser construída no estilo gótico (a primeira foi a pequena St. Denis, em Paris). Durante a Idade Média, milhares de peregrinos chegavam ao pequeno vilarejo para visitar a catedral em busca de conforto espiritual, mas também de cura do corpo físico, pois a Chartres tinha a fama de operar milagres. Ao contrário de hoje, eles não entravam pela porta principal do lado oeste, mas iniciavam o caminho penetrando na cripta, alguns metros abaixo do piso da catedral, onde estão erguidas as paredes da igreja românica original. E os viajantes ficavam ali por horas ou dias até se sentirem prontos e purificados para adentrar na igreja, como num processo iniciativo de expurgação e cura dos seus sofrimentos. Era como um homem novo que o peregrino entrava na catedral pela primeira vez, pronto para um contato com um plano espiritual anteriormente inatingível.

É justamente na cripta que se esconde o primeiro grande mistério de Chartres, as correntes telúricas (energias terrestres) sobre as quais a catedral teria sido fundada. Meu coração quando visitou a cripta de Chartres disparou, como se me purificando.

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Alguns autores apontam Chartres como uma colina já considerada sagrada pelos celtas, povo que habitava o lugar bem antes da época cristã. Situada numa confluência de veios subterrâneos de água organizados artificialmente sob a forma de um leque aberto, a catedral se assenta sobre um mound, palavra céltica que designa uma colina onde se concentram forças telúricas de grande potência, chamadas por eles dewouivre (ou vril). “O mound sobre o qual a catedral de Chartres está construída era um local sagrado muito antes do cristianismo”, diz Tim Wallace Murphy, autor do livro O Código Secreto das Catedrais. “Ele era sagrado muito antes que os druidas lá chegassem, e já era um centro de peregrinação na época, e desde então”, afirma. Como os “vapores” que emergiam de templo de Delfos, na Grécia, e que colocavam as pitonisas num diferente estado de consciência, acreditava-se que as correntes de wouivre do mound de Chartres atuavam no ser humano como centelha inicial de um processo transformador de consciência.

De acordo com alguns especialistas do assunto, o lugar já deveria ser conhecido como uma espécie de Stonehenge desde o Neolitico. Os canais subterrâneos de água foram construídos de forma a intensificar conscientemente a energia natural que brotava da terra. “Esses são lugares onde essa força telúrica extremamente poderosa, ou Spiritus Mundi, pode ser detectada. O Spiritus Mundi é tão potente que é capaz de despertar o homem para a vida espiritual.

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A cripta é dividida entre muitas capelas e altares. Escura, essa igreja parcialmente subterrânea recebe a pouca luz que vem de fora através de minúsculas janelas. Hoje a cripta é iluminada artificialmente, mas não com muita luz, para preservar um sentido de introspecção e recolhimento. É sombria e, para alguns, assustadora.  Uma das duas jornalistas que está comigo nessa visita começa a passar mal e se apóia no meu braço. A guia fala muito rapidamente, numa sucessão de dados históricos e culturais. Sua voz começa a não ter mais sentido para mim. Quando nós nos dirigimos ao poço que fica no meio da cripta, eu percebi que minha mente estava quase vazia de pensamentos. Embora a água dos veios do poço tenha sido desviada há séculos e ele seja basicamente um poço comum muito profundo, mesmo assim a energia se manifesta intensamente. Não é raro o visitante sentir-se mal por causa da atuação poderosa da wouivre telúrica ainda presente. Segundo alguns e, eu senti pessoalmente as correntes telúricas são muito fortes lá embaixo. Aquele é um dos pontos magnéticos mais fortes da Terra. Ele faz parte da cura que as pessoas buscavam na Idade Média. As correntes intensas transmitem a sensação de se estar sendo puxado para baixo.

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Possivelmente a cripta atuava como purgatório, onde o peregrino se livrava de suas dores, males e sofrimentos.  Eles eram, literalmente, sugados para baixo pela terra.  

Na cripta, além de rezar para a imagem da Virgem Negra, como era conhecida nos tempos medievais (uma antiga cópia substitui atualmente a original, queimada num incêndio durante a Revolução Francesa), os peregrinos bebiam a água do poço subterrâneo, considerada milagrosa. Isso quer dizer que, além da purificação do espírito, eles passavam pela cura do corpo, e sua consequente mudança de paradigma energético por meio da ingestão da água dos canais subterrâneos. Ali, rezavam várias missas por dia, na penumbra e sob as graças de Notre Dame-sous-terre (Our Lady of Underworld).

As Madonas Negras, como a de Notre-Dame-sous-terre, são veneradas em muitas igrejas da Europa. A origem desse culto é antiquíssima.

A tradição da veneração da Madona Negra em grutas e criptas é aceita como um culto pré-cristão. Era muito popular entre os druidas (os sacerdotes celtas) que habitavam parte da Gália, onde atualmente existe a França. Para eles, a Virgem Escura representava a força da natureza escondida sob a terra durante o inverno, que posteriormente explodiria em flores e frutas durante a primavera-verão. A Madona Negra também materializava a profecia celta que dizia que uma Virgem Sagrada e seu Divino Filho, o Salvador do Mundo, seriam muito importantes no futuro.

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Mais de 500 esculturas de Madonas Negras foram descobertas na Europa, geralmente escondidas em grutas e cavernas. A imagem de Chartres, por exemplo, é muito parecida com a da igreja de Rocamadour, mais ao Sul da França e a de Nossa Senhora de Montserrat, na Espanha. Notre Dame-sous-terre também era conhecida dos romanos antes de Cristo e foi descrita pelo imperador Júlio Cesar como a Virgini Pariturae, ou a Virgem prestes a dar à luz, cerca de 50 anos antes do nascimento de Jesus. Nessa época, ela era adorada pelos druidas no lugar sagrado de Carnutum, entre os rios Eure e Loire, exatamente na colina onde hoje está erigida Chartres.

Provavelmente de origem egípcia – Ísis também era conhecida como Virgem Negra, e mãe de Hórus, o Sol – a tradição celta desse culto se espalhou pelo solo gaulês e seus altares antecedem inúmeras igrejas católicas atuais hoje dedicadas a Nossa Senhora. Imagens famosas de Madonas Negras conhecidas como Notre Dame-sous-terre se acham presentes na França, Itália, Espanha, Alemanha e Polônia. 

Os cavaleiros templários, muito ligados à história da construção de Chartres, também abraçaram a veneração a Virgem Negra, mas por outros motivos.  De acordo com alguns autores, a Madona Negra também representava a senhora que está oculta, ou Maria Madalena, protetora deles. Nesse oceano de especulações e teorias, é bem possível que esse sincretismo realmente tenha ocorrido em Chartres nos tempos iniciais da cristianização da Gália. Mas se associação da imagem com Maria Madalena é incerta, com certeza há um vínculo estreito entra a catedral e a Ordem dos Templários. Na cripta, vários vitrais em pequenas janelas ainda ostentam a cruz templária e Bernard de Clairvaux, um dos inspiradores da Ordem, foi um dos grandes incentivadores da construção da catedral.

Portanto, disfarçados sob a aparência de uma intensa devoção à Nossa Senhora, mãe de Jesus, existe a possibilidade de que vários cultos e crenças fossem misturados sob o olhar muitas vezes complacente da Igreja. Mas nem sempre essa convivência foi pacífica. Os padres se tornavam cada vez mais incomodados e resistentes com os cultos de origem pagã praticados dentro dos muros das catedrais. Mas aos poucos, a devoção à Madona Negra transformou-se na devoção à Nossa Senhora, mãe de Jesus, e continuou intensa por séculos e séculos.  

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Outra imagem de Madona Negra famosa na catedral de Chartres é a de Notre Dame-du-Pilier. Ela foi colocada em cima de uma coluna dentro da igreja para substituir a imagem destruída num incêndio dentro da cripta (a imagem que existe hoje é uma antiga cópia dela).  Na verdade, a imagem policromada de Notre-Dame-du-Pilier era originalmente branca (era conhecida como Notre Dame-la-Blanche) e talvez ela tenha sido colocada dentro da parte de cima da catedral para enfraquecer o culto à Madona Negra que se realizava abaixo na cripta. Mas, por ironia, com a passagem do tempo Notre Dame-la-Blanche também se tornou… negra, porque foi escurecida pela fumaça das velas dos fiéis. E assim eles continuaram a devoção a Madona Negra na figura dela. 

A imagem de Notre-Dame-sous-Pilier em Chartres foi colocada em cima de uma coluna, num lugar de muita energia e devoção. Considerada uma Virgem Negra por séculos, ela recebeu recentemente uma pátina branca que devolveu a cor original à imagem.

Como outras virgens escuras, inclusive Nossa Senhora da Conceição Aparecida (que é a santa padroeira do Brasil), Notre Dame-sous-Pilier recebeu uma vestimenta feita de tecido, que deu à imagem uma aparência piramidal em forma de sino. Assim ela é descrita pelo autor de O Código Secreto das Catedrais. ”A Virgem foi vestida de acordo com a tradição, com mantos pesados e ornamentados, formalmente modelados como um triângulo. Se ficarmos em frente do pilar onde ela está, é possível se detectar um nível tangível de energia, um lugar de poder dado por Deus onde a vibração é tão baixa que pode induzir uma sensação de desfalecimento, indicando que esse também é um ponto de transformação espiritual”

Mas depois de uma reforma recente da catedral, em 2012, a imagem de Notre-Dame-du-Pilier recebeu novamente a pátina branca original, e os vestidos vaporosos dela foram retirados. Atualmente, ela mais parece uma boneca colorida, mas o ponto energético diante dela provavelmente continua a atuar como antes. Mas de acordo com contatos com peregrinos eles não gostaram nem um pouco das mudanças na santa.

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Mais tarde, eu entrei no espaço reconfortante da catedral com o coração leve, como os antigos peregrinos. Eu dei um suspiro de alívio. Meus olhos se acostumaram aos poucos com esse outro tipo de penumbra, agora repleta de cores luminosas, os vitrais me encantavam, e energias celestes, como afirma a tradição de Chartres. A catedral é escura para que os vitrais dela se tornem mais nítidos, um espetáculo para os olhos e para o coração. Naquele momento, o templo parecia um grande útero iluminado por joias cintilantes. Chegava agora o momento certo de encontrar o labirinto.

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De acordo com alguns livros e autores, o labirinto é uma viagem rumo ao centro do ser feita exteriormente e interiormente. O constante andar em círculos faz rapidamente o cérebro perder referências de tempo e espaço. Em poucos minutos, é possível se caminhar em outra dimensão temporal e espacial nas voltas do círculo. E ao tentar encontrar a rota certa com muita concentração, podem surgir muitos insights paralelos sobre nossa vida.

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O nosso percurso fatalmente chegará ao centro. Nesse ponto, segundo medidas feitas por especialistas em radiestesia, está presente um alto nível de vibração energética, que pode fazer o corpo oscilar levemente para frente e para trás. É no centro do labirinto que, em prumo, nos tornamos um elo perfeito e o céu e a Terra. “Tanto no labirinto de Creta quanto no de Chartres, só um caminho conduz ao centro. Reencontrei alguns caminhos perdidos, a fé de Chartres me conduziu a uma enorme paz, que durante anos a tinha perdido. Por alguns momentos percebi que é possível encontrá-la desde que você realmente a deseje.

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Andei na direção do centro do labirinto. E fiquei ali, silencioso, por uns quinze minutos. Realmente senti um influxo de energia que vinha de cima, e me banhei nessa força iluminadora por algum tempo, inerte, mas muito feliz. Depois, eu agradeci interiormente e me dirigi ao altar. Rezei silenciosamente e agradeci comovido “Abe Deo Vincit Semper Gladius Auxilius Nobis” Fiz, com todo o meu coração, senti-me peregrino possuído com a luminosidade de Chartres para voltar ao mundo e irradiar a luz da bela Catedral.

x6001Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador, Escritor Medievalista.

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