Derivada da palavra latina species, que designava qualquer “espécie” de produto e, mais tarde, a partir do Baixo Império (período final do Império Romano do Ocidente), as substâncias aromáticas ou drogas de origem exótica, as especiarias suscitaram a cobiça e a fantasia de muitos ao longo da Idade Média. Segundo o tratado do florentino Pegolotti, La pratica della mercatura, 1340, a lista das especiarias compreendia 286 produtos eliminadas as repetições, há no total 193 espécies. Os produtos comumente utilizados na farmacopeia medieval e provenientes dos três grandes reinos – mineral (mercúrio, bórax), vegetal (anis, cardamomo), animal (âmbar, castóreo, substância segregada pelo castor) – correspondiam a mais da metade da listagem. Depois, vinham os produtos de uso industrial, próprios para o tingimento (alume, indigo), ou utilizados na perfumaria (cânfora, almíscar), compondo 22 por cento dos produtos listados. Finalmente, os condimentos, últimos da lista, 20 por cento, com as clássicas e conhecidas especiarias (pimenta, canela, cravo-da-índia). Além desses constavam da lista: mel, laranja e açúcar, produtos que hoje não mais considerados especiarias
Um mesmo produto podia servir indistintamente à farmacopeia, à cozinha e às manufaturas, o que dificulta sua classificação por uso e utilidade. Mais de um quarto desses produtos, em particular as grande especiarias orientais, provinha da Índia, e do Extremo Oriente. Caracterizavam-se pelo alto preço e pelo fato de já serem objeto de grande comércio entre os indianos e árabes, antes de alcançarem o mercado europeu. A Pérsia e a Ásia Central forneciam 13 por cento dos produtos citados por Pegolotti, o Oriente Médio e o Egito, 20 por cento. Da África, vinham o marfim e o incenso, das regiões pônticas (na costa do Mar Negro), a sinopita e a argila vermelha da Armênia, dos países nórdicos, o âmbar, o estanho e o breu. mas um quarto dessas especiarias recenseadas provinha, sobretudo, das regiões mediterrâneas, produtos de sua atividade extrativa, agrícola e artesanal. A importância das especiarias na cozinha medieval foi por muito tempo creditada à necessidade de conservar os alimentos, ou à influência árabe. Todavia, um conhecimento mais apurado dos livros de receitas e das contas privadas passou a levar em consideração também os fenômenos de moda e gosto e a diversidade no uso dos condimentos segundo os países, ou as regiões, e diversos meios sociais. O consumo diversificou-se, crescendo conforme subia a escala social. Um tando abandonadas pela arte culinária do final da Idade Média, as especiarias continuaram como base da farmacopeia até a “revolução química” do século XIX. As receitas populares, remanescências de receitas ditas esquecidas ou modificadas, utilizavam os “simples”, mas os receituários e antidotários, expressão das teorias da polifarmácia herdada dos gregos e dos árabes, faziam uso intenso das especiarias em associações complexas.
A economicamente importante Rota da Seda (vermelho) e especiarias rotas de comércio (azul) bloqueado pelo Império Otomano, 1453 com a queda do Império Bizantino, estimulando a exploração motivada inicialmente pela constatação de uma rota marítima em torno da África e provocando a Era dos Descobrimentos.
Com o intuito de desenvolver o comércio das especiarias entre o Extremo Oriente e o Mediterrâneo, três grandes rotas intercontinentais foram, simultaneamente ou sucessivamente, utilizadas: o golfo Pérsico, nos primeiros tempos do Islã, o mar Vermelho e o Rio Nilo, sob os fatímidas, e as duas rotas mongóis da seda e das especiarias, sendo Marco Polo, um dos seus precursores, atingindo o mar Negro no início do século XIV. A partir de 1350 e até o final da Idade Média, Alexandria e Beirute foram os grandes mercados desses produtos do Oriente. Sua supremacia só seria contestada em 1498, com a chegada às Índias de Vasco da Gama, que, pelo contorno da África, inaugurou a rota portuguesa das especiarias.
Miniatura da Bodleian Libray, manuscrito que descreve a saída de Marco Polo de Veneza rumo a Rota da Seda.
Paulo Edmundo Vieira Marques