Os Torneios Medievais

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O cotidiano medieval relatado através dos Torneios Medievais. O mundo mágico dos jogos que mais atraiam público às cidades da Idade Média. A aventura, o embate, os arautos, os vencedores, heróis, as donzelas, o amor cortês, enfim o mundo mágico dos torneios reunidos em uma obra de inúmeras pesquisas e ilustrações maravilhosas.
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Medieval daily life reported through the Medieval Tournaments. The magical world of games that most attracted audiences to the cities of the Middle Ages. The adventure, the clash, the heralds, the winners, the heroes, the maidens, the courteous love, in short, the magical world of tournaments brought together in a work of countless research and wonderful illustrations.
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Autor: Paulo Edmundo Vieira Marques, historiador, escritor medievalista, professor.

Arte Românica: a essência do simbolismo cristão.

A arte românica refere-se à arte da Europa desde o final do século X até a ascensão do estilo gótico no século XIII ou mais tarde, dependendo da região. O termo “românico” foi estipulado pelos historiadores da arte do século XX para se referir especificamente à arquitetura do período de tempo, que manteve muitas características básicas do estilo arquitetônico romano – principalmente arcos semicirculares – mas manteve características regionais distintas. No sul da França, Espanha e Itália, houve continuidade arquitetônica com o período da Antiguidade Tardia, mas o estilo românico foi o primeiro estilo a se espalhar por toda a Europa católica e, portanto, o primeiro estilo pan-europeu desde a arquitetura romana imperial. A arte românica também foi influenciada pela arte bizantina, especialmente na pintura, e pela energia anticlássica da decoração da arte insular das Ilhas Britânicas. A partir desses elementos foi forjado um estilo altamente inovador e coerente.

Altar Frontal da igreja de Santa Maria d’Avià (Berguedà).
Têmpera, sobreposições de pergaminho, relevos em estuque e restos de chapa metálica envernizada sobre madeira. Século XIII. É um excelente exemplo do que se conhece como arte de 1200, que no Ocidente cristão se caracterizou pela influência da arte bizantina renovada durante o século XII através da miniatura inglesa e da arte dos cruzados. 
O frontal está centrado na figura de Maria como ‘Sedes Sapientiae’, ou Sede da Sabedoria, com o Menino no colo e ladeado por quatro cenas da infância de Jesus. 
A influência estilística bizantina pode ser vista na modelagem escultórica dos corpos, no tratamento de três quartos dos rostos e nos restos de decoração vegetalista dourada ao fundo. 
A posição de Maria no presépio, em que ela está meio sentada em um feixe de palha, também é de influência bizantina. Museu Nacional d’Art de Catalunya.

Arquitetura

Combinando características de edifícios romanos e bizantinos, juntamente com outras tradições locais, a arquitetura românica distingue-se pela qualidade maciça, paredes grossas, arcos redondos, pilares robustos, abóbadas de arestas, grandes torres e arcadas decorativas. Cada edifício tem formas claramente definidas e um plano simétrico, resultando em uma aparência muito mais simples do que os edifícios góticos que se seguiriam. O estilo pode ser identificado em toda a Europa, apesar das características e materiais regionais.

Pórtico da Igreja de San Andrés Apóstolo, Élbar, Espanha.
Colegiata de Santa Maria Mayor, Toro, Zamora, Espanha.
Ala románica do Claustro. Colegiata de San Isidoro, León
Pórtico Colegiata Santa Maria Mayor, Zamora, Espanha
Típica arquitetura românica de igreja de subúrbio medieval.

Pintura

Além da arquitetura, a arte do período foi caracterizada por um estilo vigoroso tanto na pintura quanto na escultura. Nas igrejas, a pintura continuou seguindo os modelos iconográficos bizantinos. Cristo em Majestade, o Juízo Final e cenas da Vida de Cristo permaneceram entre as representações mais comuns. Nos manuscritos iluminados, os exemplos mais ricamente decorados do período incluíam bíblias ou saltérios. À medida que novas cenas eram representadas, mais originalidade se desenvolvia. Eles usaram cores primárias intensamente saturadas, que agora existem em seu brilho original apenas em vitrais e manuscritos bem preservados. O vitral veio a ser amplamente utilizado durante este período, embora existam poucos exemplos sobreviventes.

As composições pictóricas geralmente tinham pouca profundidade, pois se limitavam aos espaços estreitos das iniciais historiadas, capitéis das colunas e tímpanos das igrejas. A tensão entre uma moldura apertada e uma composição que por vezes escapa ao seu espaço designado é um tema recorrente na arte românica. As figuras muitas vezes variavam em tamanho em relação à sua importância, e os fundos da paisagem estavam ausentes ou mais próximos de decorações abstratas do que realismo, como nas árvores da “Morgan Leaf”. As formas humanas eram muitas vezes alongadas e contorcidas para se ajustarem à forma fornecida e às vezes pareciam estar flutuando no espaço. Essas figuras focaram em detalhes lineares com ênfase em dobras de cortinas e cabelos.

A Folha de Morgan, da Bíblia de Winchester, Frontispício para 1 Samuel com a vida de David
1150-80. 
Feito em Winchester, Inglaterra. 
Têmpera e ouro em pergaminho; 
22 15/16 x 15 9/16 pol. (58,3 x 39,6 cm). 
Emprestado pela Biblioteca e Museu J. Pierpont Morgan, Nova York
Provavelmente da igreja de Santa Maria no castelo de Besora.
Têmpera e restos de chapa metálica envernizada sobre madeira
Século: XII

Escultura

A escultura também exibia um estilo vigoroso, evidente nos capitéis esculpidos das colunas, que muitas vezes representavam cenas completas compostas por várias figuras. Objetos preciosos esculpidos em metal, esmalte e marfim, como relicários, também tiveram alto status nesse período. Enquanto o grande crucifixo de madeira e as estátuas da Madonna entronizada eram inovações alemãs no início do período, as esculturas em alto relevo dos elementos arquitetônicos são mais evocativas desse estilo.

Numa inovação significativa, os tímpanos de importantes portais de igrejas foram esculpidos com esquemas monumentais, novamente representando Cristo em Majestade ou o Juízo Final, mas tratados com mais liberdade do que nas versões pintadas. Essas esculturas de portal foram feitas para intimidar e educar o espectador. Como não havia modelos bizantinos equivalentes, os escultores românicos sentiram-se livres para expandir o tratamento dos tímpanos.

Portal Sul, Moissac, França. Profeta Jeremias.
Basílica de Saint-Sernin, Toulouse, França, Cristo em relevo, c. 
1096
Capitel da Basílica de Saint Sernin, Toulouse, França.
Tímpano da Abadia de Ste Foy. uma das mais belas esculturas da arte românica. Século X.

Foi o primeiro estilo a ser identificado dentro da Arte Medieval. Embora inicialmente se referisse ao estilo arquitetônico desenvolvido entre os séculos XI e meados do século XII na Europa Ocidental, o românico foi recentemente alargado a outras áreas da produção artística, incluindo a escultura e a pintura. As principais características da arte românica existem em igrejas ou mosteiros e incluem tetos abobadados e arcos arredondados ou pontiagudos. A decoração escultórica românica surge na forma de capitéis figurativos sobre colunas densas ou em relevos de bronze esculpidos em portas e tímpanos sobre entradas. Sem dúvida estilo que descreve perfeitamente o medievo. Suas origens, sua singularidade, seu simbolismo. Efeitos marcantes na Idade Média, indícios de arte promissora e atraente. Românico, o rústico belo.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Historiador, professor, Escritor Medievalista

Guilherme Marechal: o melhor de todos.

Considerado o “melhor cavaleiro do mundo” pelo rei da França, Guilherme Marechal personificou a idade de ouro da cavalaria e fez uma carreira brilhante até se tornar regente do reino da Inglaterra em 1216.

Efígie de Guilherme Marechal na Temple Church, Londres, onde o guerreiro foi entrerrado em 1219

Guilherme nasceu em 1146 em uma família da pequena nobreza da Inglaterra. Seu pai, João, ocupava o cargo de marechal do rei, oficial responsável pela organização dos exércitos do monarca. Em meio à guerra de sucessão desencadeada pela morte do rei Henrique I, em 1135, o pai de Guilherme ficou ao lado de Matilde, a Imperatriz, na disputa que esta travou contra Estevão de Blois pela Coroa da Inglaterra.

Matilde, que saiu vitoriosa do conflito recompensou a lealdade de João oferecendo-lhe a mão de uma jovem de alta linhagem, Sibilla de Salisbury. O casal teve quatro filhos homens e duas meninas. Um deles era Guilherme, que ficaria conhecido como Marechal por causa do título do pai.

Na qualidade de filho mais novo, Guilherme não herdaria terras nem direitos. Em virtude disso, o pai o enviou para a Normandia, para que fosse treinado na arte da cavalaria pelo camareiro do rei da Inglaterra, Guilherme de Tancarville. O jovem Marechal tinha cerca de 20 anos quando foi sagrado cavaleiro.

Guilherme serviria seu tio materno, Patrício de Salisbury. Em sua primeira missaõ importante, participou de uma expedição encarregada de proteger Leonor da Aquitânia, condessa Poitiers e rainha da Inglaterra, enquanta esta fazia uma visita à França pa conter uma rebelião de seus vassalos. No caminho, o comboio foi atacado de surpresa pelo cavaleiro francês Guy de Lusignan e Patrício de Salisbury foi morto. Guilherme tentou defend~e-lo mas foi ferido e preso.

Impressionada com a sua coragem, Leonos da Aquitânia libertou o cativo em troca de reféns. O fato marcou o início de uma carreira brilhante. Guilherme marechal foi escolhido pelo rei Henrique II para cuidar da proteção e da educação do herdeiro do trono inglês, o príncipe Henriqie, o jovem.

Os cavaleiros, no entanto, necessitavam de treinamentos para futuros embates, e os torneios eram a base disso. Como não havia torneios na Inglaterra partiram para a França. Do outro lado do Canla da Mancha, Guilherme venceu quase todos os torneios, o que aumentou sua fama.

Janela Norte, vitral cofeccionado por Kempe e Co., em 1909. William Marshall, the great, primeiro Condre de Pembroke.

Mas no auge, porém, seus antigos e invejosos “parceiros” o acusaram de cometer adultério com Margarida, esposa do príncipe Henrique, o Jovem, que rompeu relações com o Marechal. O cavaleiro de disse caluniado e partiu em peregrinação rumo à atual Alemanha, mas seu senhor se arrependeu e o chamou de volta.

Mas a má sorte parecia perseguir Guilherme, Henrique, o jovem, morreu de repente em 1183. A sucessão ficou incerta, e Guilherme se juntou a Terceira Cruzada. Vitorioso voltou para a Inglaterra em 1187, Henrique II o integrou à corte e lhe concedeu o feudo de Cartmel, na região de Lancashire. Debilitsado e doente, o soberano lhe prometeu também a mão de Isabel de Clare, a “donzela de Striguil”, o que lhe garantiria a posse de 65 feudos. Mas Henrique II morreu antes de lhe conceder a senhoria.

Efígie Guilherme Marechal, Temple Curch, Londres.

O novo rei, Ricardo Coração de Leão, não gostava de Guilherme desde que este o fizera comer poeira em um torneio. Apesar disso, ao assumir o poder em 1189, honrou a promessa que fizera ao pai; Guilherme Marechal tinha 50 anos quando se casou com Isabel de Clare e se tornou conde Pembroke, entrando para a elite dos grandes senhores feudais.

Súdito fiel de Henrique II e de Henrique, o Jovem, Guilherme cumpriu as suas obrigações feudais com o novo soberano sem muito entusiasmo. Mas manteve relações com Felipe Augusto, rei da França, para poder manter suas propriedades na Normandia.

Manteve a mesma política quando João Sem terra se tornou rei da Inglaterra em 1199. Apesar disso, quando os barões ingleses se rebeleram contra o rei em 1215, Guilherme Marechal apoiou João Sem terra, Por causa disso, á beira da morte, o monarca o nomeou regente do reino em 1216.

Marechal sagrou cavaleiro o pequeno Henrique III, herdeiro do trono, então com 9 anos. Um ano depois, acabou com as pretensões do príncipe Luis da França de herdar a Coroa inglesa ao derrotá-lo na Batalha de Lincoln. Em reconhecimento à sua bravura, o próprio rei da França, Felipe Augusto, qualificou Guilherme como o “melhor cavaleiro do mundo”. Marechal tinha 70 anos na época e morreria dois anos depois.

Gravura, cavaleiro século XIII, fonte: Temple Church, Londres.


Ilustração atual William Marshall

Após a sua morte, Guilherme Marechal entrou para a história como uma encarnação dos tempos de ouro da cavalaria, como afirmou o medievalista Georges Duby “Na pessoa de Guilherme Marechal sobrevivia o século XIII de suas proezas, aquele que da exuberância tumultousa, aquele de Lancelot, de Gauwain, dos cavaleiros da Távola redonda. Ele poderia avançar tranquilamente em direção à morte, orgulhoso de ter sido o instrumento do derradeiro trinfo da honra contra o dinheiro, da lealdade contra o Estado, de ter levado a cavalaria a sua plenitude”.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Historiador, Professor, Escritor Medievalista

Fonte: Guilherme Marechal – O Melhor Cavaleiro do Mundo, Georges Duby, Graal, 1995.

Abadia de Sainte-Foy, Conques – A Riqueza da Arte Românica no Caminho dos Peregrinos Rumo à Santiago de Compostela

A abadia de Conques foi fundada em 819 d.C., quando a sua área de construção era tomada por uma densa floresta e seu ambiente fornecia isolamento para oração e meditação. O local foi escolhido por um eremita chamado Dadon, que mais tarde fundou uma comunidade de monges beneditinos.

No mesmo ano em que a abadia foi fundada, as relíquias de São Tiago foram descobertas em Compostela, na Espanha. Fluxos de peregrinos logo começaram a chegar ao santuário. As rotas de peregrinação passaram por santuários menores ao longo do caminho, que logo ficaram ricos com presentes de peregrinos e turismo religioso.

Localizada em Conques, Aveyron, França, a Igreja de Sainte-Foy (Santa Fé) é uma importante igreja de peregrinação a caminho de Santiago de Compostela, no norte da Espanha. É também uma abadia, o que significa que a igreja fazia parte de um mosteiro onde os monges viviam, oravam e trabalhavam. Apenas pequenas partes do mosteiro sobreviveram, ainda estão de pé, mas a igreja permanece praticamente intacta. Embora igrejas menores estivessem no local a partir do século VII, a Igreja de Sainte-Foy foi iniciada no século XI e concluída em meados do século XII. Como uma igreja românica, possui uma nave abobadada, com arcos no interior.

Parte frontal da Abadia de Sainte-Foy ao amanhecer
Igreja de Sainte-Foy, Conques, França, c. 1050-1130

É conhecida como igreja de peregrinação, porque muitas das grandes igrejas ao longo do caminho para Santiago de Compostela assumiram uma forma semelhante. Mas cabe ressaltar, também, que se tratava de uma igreja de devoção dos templários. Ponto e local de refúgio dos cavaleiros para adquirir suprimentos para a sua proteção e dos peregrinos que para Compostela se dirigiam. A principal característica dessas igrejas era o plano cruciforme. Esse plano não apenas assumiu a forma simbólica da cruz, mas também ajudou a controlar a multidão de peregrinos. Na maioria dos casos, os peregrinos podiam entrar no portal ocidental e depois circular pela igreja em direção à abside no extremo leste. A abside geralmente continha capelas menores, conhecidas como capelas radiantes, onde os peregrinos podiam visitar os santuários dos santos, especialmente o santuário de Sainte Foy. Eles poderiam circular pelo ambulatório e sair do transepto ou travessia. Esse projeto ajudou a regular o fluxo de tráfego em toda a igreja, embora a intenção e o uso efetivo desse projeto tenham sido debatidos.


Plano Frontal, Igreja de Sainte-Foy, Conques, França, c. 1050-1130

Planta Plana, Igreja de Sainte-Foy, Conques, França, c. 1050-1130

Quando um peregrino chegava a Conques, provavelmente se dirigia à igreja para receber bênçãos. No entanto, antes de entrarem, uma mensagem importante os esperava nos portais: o Juízo Final. Esta cena é retratada no tímpano, o relevo semi-circular central esculpido acima do portal central.

No centro, está Cristo como juiz. Ele se senta entronizado com a mão direita apontando para cima para os salvos, enquanto a mão esquerda gesticula para os condenados. Essa cena teria servido como um lembrete para aqueles que entravam na Igreja de Sainte-Foy sobre as alegrias do céu e os tormentos do inferno. Imediatamente à direita de Cristo estão Maria, Pedro e, possivelmente, o fundador do mosteiro, bem como uma comitiva de outros santos.

Último Julgamento, Juízo Final, tímpano, Igreja de Sainte-Foy, França, Conques, c. 1050-1130,

Abaixo desses santos, uma pequena arcada é coberta por um frontão, destinado a representar a Casa do Paraíso. Estes são os abençoados, aqueles que foram salvos por Cristo e que permanecerão no Paraíso com ele por toda a eternidade. No centro, encontramos Abraão e, acima dele, notamos a mão estendida de Deus, que acena uma Fé Santa ajoelhada (veja a imagem abaixo).

Os abençoados no paraíso, com a mão de Deus acima de acenar a Saint Foy (Santa Fé) (detalhe), Último Julgamento do Tímpano, Igreja de Sainte-Foy, França, Conques, c. 1050-1130
Os portões do céu e a boca do inferno (detalhe), Último Juízo Final, Igreja de Sainte-Foy, França, Conques, c. 1050-1130.

Dentro do inferno, as coisas não parecem muito boas. É uma cena caótica e desordenada – observe como parece diferente do lado direito do tímpano. Há também um pequeno frontão no registro inferior do inferno, onde o diabo, exatamente em frente a Abraão, reina sobre seu reino aterrorizante.

O diabo, como Cristo, também é um juiz entronizado, determinando os castigos que aguardam os condenados de acordo com a gravidade de seus pecados. Em particular, à esquerda do diabo está um homem enforcado. Este homem é uma referência a Judas, que se enforcou depois de trair a Cristo. Logo depois de Judas, um cavaleiro é jogado no fogo do Inferno e, acima dele, um homem guloso é pendurado pelas pernas pelos seus pecados. Cada um desses pecadores representa um tipo de pecado a ser evitado, do adultério à arrogância, até ao uso indevido dos ofícios da igreja. De fato, este portal não era apenas um aviso para os peregrinos, mas também para o clero que vivia em Conques.

A Igreja de Saint Foy em Conques fornece um excelente exemplo de arte e arquitetura românica. Embora o mosteiro não sobreviva mais, a igreja e o tesouro permanecem como um lembrete dos rituais da fé medieval, especialmente para os peregrinos. Ainda hoje, as pessoas fazem uma longa caminhada até Conques para prestar respeito a Saint Foy. Todo mês de outubro é realizada uma grande celebração e procissão para Saint Foy, continuando uma tradição medieval até a devoção atual.

Fachada da Abadia de Sainte-Foy, Conques, Aveyron, França.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Historiador, Professor, Escritor Medievalista.

Este artigo é dedicado ao grande professor e meu querido amigo Francesco De Sio Lazzari (Canuto Decano). Grande mestre da maravilhosa Nápoles.

Elmos Medievais: esperança, inteligência, pudor.

Photo by Marky Milarky

Durante a idade média, muitos tipos diferentes de capacetes foram fabricados, todos oferecendo níveis de proteção e usados ​​durante batalhas e guerras.

Capacetes medievais eram feitos de ferro e aço, assim como o resto da armadura. Na Idade Média, confeccionados geralmente por um armeiro, que era um ferreiro especializado em fazer armaduras de qualidade. No entanto em certas ocasiões, na falta do armeiro, ferreiros comuns os faziam, sem uma passagem por um mestre orientador, mais baratos, mas com menor qualidade.

Às vezes, símbolos eram pintados ou os brasões eram adicionados aos capacetes para fins de identificação.

Photo by Christian Ramache


No início da Idade Média, os capacetes de rosto aberto, como o spangenhelm, eram os mais comuns. Esses capacetes não protegiam muito bem a área facial. Eles às vezes tinham proteção nasal. No final da Idade Média, o rosto estava completamente protegido com capacetes como o grande elmo, o armet e o bascinet, pelo menos para cavaleiros e homens de classe alta. A cabeça era e ainda é uma das áreas mais importantes do corpo para se proteger, pois as feridas na cabeça e no crânio eram e são muito intensas e de gravidade.

Ao escolher um capacete, você precisava comparar as vantagens e desvantagens, era uma escolha estritamente pessoal. Às vezes era melhor ter um rosto completamente protegido, mas outras vezes era mais útil escolher um capacete mais leve no qual você podia ter mais movimento. Para a infantaria, geralmente a escolha melhor era o capacete mais leve, enquanto um cavaleiro escolhia uma melhor proteção total.

Os homens usavam geralmente uma touca de malha e estofamento embaixo do capacete. Uma touca de malha era um capuz feito de cota de malha, como proteção extra para o pescoço e a cabeça. A touca de malha era costurada em um estofamento de tecido. O estofamento cobria apenas a cabeça, não o pescoço. Poderia ser usado embaixo de um capacete ou mesmo sem o capacete. Isso era comum entre os homens de classe baixa. A maioria dos soldados usava touca justa, onde as únicas partes abertas eram o nariz e os olhos. Uma touca nem sempre tinha correspondência anexada, a palavra ‘touca’ também poderia estar relacionada apenas ao estofamento. Em alguns tipos de capacete, como o bascinet, você poderia prender uma aventail, um colar de cota de malha e um protetor de ombro. Você também poderia usar uma touca acolchoada embaixo do capacete, sem a cota de malha, para maior conforto e proteção contra contusões e escoriações. Também poderia ser usado para ajudar o capacete a se encaixar melhor.

Os spangenhelms e os capacetes nasais ou normandos estavam em uso nas primeiras partes da idade média; mais tarde veio o bascinet sem viseira. Os visores tornaram-se cada vez mais populares após 1180. Os visores tinham orifícios para ver através e orifícios para respirar.

Abaixo, você encontrará vários tipos de capacetes medievais na ordem de sua evolução.

Elmo chaleira

Mais popular no século XI

O capacete da chaleira também era chamado Eisenhut e chapeau de fer, que significava “um chapéu de ferro”. Seu nome veio de sua aparência, como uma panela, chaleira ou caldeirão. Esses capacetes sempre tinham uma aba larga e eram de rosto aberto e às vezes eram usados ​​com uma touca por baixo. Era um capacete comum durante toda a Idade Média e usado principalmente pela infantaria, porque dava boa proteção aos golpes que vinham de cima, como os de cavaleiros, e mantinha o sol fora do rosto dos usuários. Esses capacetes não foram usados ​​apenas durante a guerra, mas também para outras tarefas, como a mineração, onde a borda ajudou a proteger contra a queda de pedras e areia. Antigamente, esses capacetes eram feitos de várias chapas de aço, como os spangenhelms. Por volta do século XIII, eles começaram a fazer o chaleira com uma única peça de aço.

Vantagens

  • Proteção contra golpes de cima
  • Sol fora do rosto
  • Barato

Desvantagens

  • Sem proteção facial

Spangenhelm



Capacetes usados posteriormente ao século X

O nome deste capacete vem do quadro, que foi feito de tiras. Spangen era a palavra alemã para essas tiras. Essas tiras se conectavam a 4-6 placas de metal. Na maioria das vezes, os spangenhelms tinham uma larga faixa nasal para proteger o nariz, que era o centro da face e era de forma cônica. Você poderia fazer muito com eles em termos de complementação de proteção, como adicionar uma aventail ou uma máscara.

Os primeiros spangenhelms tinham protetores de couro ou metal nas bochechas. Os últimos, os que foram usados ​​na Idade Média, não tinham mais essas guardas. Os soldados também poderiam prender uma aventail no capacete.

Este era um tipo de capacete amplamente utilizado porque era muito fácil de fabricar e, portanto, muito barato de se produzir.

Vantagens

  • Boa visão e respiração
  • Fácil de fazer
  • Barato

Desvantagens

  • Não muito forte
  • Sem proteção facial completa

Great Helm

Século XIII – XVI

Grandes capacetes, também conhecidos como grande elmo, elmo de panela, heaume ou elmo de balde, são o tipo mais conhecido de capacete. A princípio, esses capacetes tinham um topo quadrado, mas isso se tornou um alvo para os martelos. Mais tarde, os desenhos foram atualizados para um topo cônico (pontudo), diminuindo o impacto de martelos e espadas.

Elmo da Alta Idade Média surgiu no final do século XII, no contexto das cruzadas e permaneceu em uso até o século XIV. Eles foram usados por cavaleiros e infantaria pesada nos exércitos europeus entre 1220 e 1400 aproximadamente. No entanto eles foram utilizados amplamente pelos cavaleiros cristãos na Terceira Cruzada (1189-1192).

Foi um dos primeiros capacetes que protegeu totalmente o rosto. O Grande Elmo também tinha pequenas aberturas para os olhos e perfurações para a boca.

Posteriormente, o capacete foi desenvolvido com proteção em volta do pescoço; eventualmente, todo o capacete estava sobre os ombros do cavaleiro. (Século 14)

Para manter o capacete preso na cabeça, havia uma tira de couro.

Os cavaleiros não usavam essas coisas na cabeça. Por baixo, usavam proteção extra feita de tecido e estofamento de fibra. Isso aqueceu os grandes elmos.

Às vezes, esses capacetes eram pintados de cores, combinando com o escudo do cavaleiro. Às vezes eram adornados com cristas, perfurações para respirar e viseiras decoradas. Quando eles eram decorados com cristas, era usado principalmente para fins cerimoniais ou de identificação. Se você não sabe o que é uma crista, é uma peça de decoração que você pode colocar em cima do seu grande elmo, como chifres, asas ou caveiras.

Esses capacetes eram usados ​​principalmente por cavaleiros durante os tempos das cruzadas, no final da Idade Média.

Vantagens

  • Proteção facial total
  • Pouquíssimas e pequenas aberturas: proteção contra perfuração

Desvantagens

  • Pesado (peso: entre 1,5 kg e 3 kg)
  • Difícil de ver e respirar
  • Difícil de comunicar devido às pequenas aberturas

Bascinet e Hounskull

Séculos XIV e XV


O bascinet, também chamado berço, era geralmente um capacete de rosto aberto, mas às vezes também era usado com uma viseira cônica. Isso tinha a aparência de um bico ou um focinho, por isso foi chamado de hounskull, que é medieval para ‘cara de cachorro’. Hoje também é às vezes chamado de ‘cara de porco’. Foi usado por cavaleiros e infantaria, tornando-o um capacete muito popular.

Havia duas maneiras de fixar uma viseira no capacete. O klappvisor tinha uma dobradiça na parte superior frontal do bascinet. E o pivô lateral com uma dobradiça em cada lado da cabeça.

Pode-se também prender um aventail ao bascinet com tiras de couro. Uma aventail é uma cota de malha para cobrir o pescoço e os ombros; saiba que isso não é o mesmo que uma touca de cota de malha.

No século 14, o bascinet tomou o lugar do grande elmo em popularidade. A princípio, o bascinet era usado por baixo do grande capacete. Mas os soldados costumavam tirar o grande capacete para poder se mover um pouco mais fácil e ter menos peso para carregar.

Os soldados de infantaria tinham que ser muito móveis, ver mais e não deveriam esquentar, portanto os bascinetes não eram a escolha certa para eles. Estavam melhor com capacetes mais claros, como o capacete da chaleira.

Depois de cerca de 1440, esse capacete ficou fora de uso, os nobres e cavaleiros também começaram a preferir capacetes de rosto aberto (como o bascinet, mas sem a viseira) por causa do peso dos capacetes visored se tornar um fardo.

No final do século XV, esses capacetes evoluíram das formas cônicas para formas mais arredondadas e, assim, passaram para o armet.

Vantagens

  • Mais leve que o grande leme
  • Design ajuda a desviar armas

Desvantagens

  • Vista e respiração
  • Ainda muito pesado

Armet


Século XVI

A primeira experiência de um capacete que mais se assemelhava à forma da cabeça humana começou na Itália.
Este capacete encaixava-se próximo à cabeça e era mais largo no topo e mais estreito no pescoço. Como você não pode deslizar sobre a cabeça, era necessário ter um mecanismo para abrir e fechar o capacete facilmente.

esses capacetes geralmente consistem em quatro partes. O capacete em si é uma tigela com uma cauda na parte de trás do pescoço, duas placas na bochecha e a viseira, que pode ser movida para cima. Normalmente, a parte superior da viseira é a parte inferior da abertura para os olhos, a tigela do capacete em si é a parte superior da abertura para os olhos.

Você pode adicionar placas extras como proteção para seu pescoço, isso é chamado de placa de invólucro. Isso foi útil para a cavalaria (você sabe, os cavaleiros) não serem atingidos por lanças ou qualquer coisa que venha de baixo na área do pescoço.

Se você deseja comprar um armet, saiba que esse é um dos capacetes medievais / renascentistas mais caros, pois possui partes mais separadas e é mais difícil de fabricar.

Vantagens

  • Compacto e leve
  • Proteção completa da cabeça

Desvantagens

  • Vista

Os elmos foram os protetores faciais dos guerreiros e cavaleiros medievais. Diante de tantas dificuldades nas inúmeras e intensas batalhas e guerras medievais foram sem dúvida, como descreve a simbologia do armamento do cavaleiro uma enorme esperança, sagacidade, inteligência, de pudor, pois diante do sentimento e atitude desenvolvidos por uma cultura rígida calcada em conceitos religiosos, homens corajosos preservavam certas partes do corpo, principalmente a face, para que diante dos ferimentos as cicatrizes fossem amenas e não tão graves. Pois diante de Deus caso o encontrassem em luta poderiam sorrir de forma digna e reconhecível.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Professor, Historiador, Escritor Medievalista.

Toulouse: a Maravilhosa Cidade Rosa do Midi-Pyrénées

Me senti na obrigação de escrever sobre a maravilhosa cidade cor-de-rosa de Toulouse. Primeira cidade europeia que eu caminhei e desfrutei dos ares do Norte. Tive muita sorte. Pois Toulouse é encantadora, espetacular e inesquecível. Perfeita, nem pequena e nem grande. Tamanho ideal, tem tudo principalmente seu lado cultural, exuberante.

Toulouse, prefeitura de Haute-Garonne e capital da região do Midi-Pyrénées. Midi significa meio-dia aos pés dos montes Pirineus. Midi-Pyrénées não tem unidade histórica ou geográfica. É uma das regiões da França criada no final do século XX para servir como interior e zona de influência de sua capital, Toulouse, uma das poucas “metrópoles de equilíbrio” ( métropoles d’équilibre ).

Aninhada aos pés dos Pirineus, que fica entre ela e a Espanha, a cidade conhecida como ‘la Ville Rose’ (devido aos delicados tons rosa-arroxeados de seus edifícios) tem um passado imensamente rico, que ao longo dos séculos se alternou entre períodos. de prosperidade e tempos sombrios. Vou descrever alguns detalhes históricos medievais sobre Toulouse. Colocações que no meu entender são pertinentes a minha área de estudo.

A história da cidade remonta a mais de 2000 anos, começando pelas Volques Tectosages, uma pequena tribo celta que se estabeleceu no vale do Garonne em 300 a. C. Por causa de sua posição estratégica, Toulouse – que fornecia um elo entre o Mediterrâneo e o Atlântico – já era ( em 100 a.C.) de grande interesse para os romanos, que a tornaram uma de suas colônias no século II d.C.. A colônia prosperou posteriormente com o comércio de vinhos e, no século III d.C, teve sua primeira muralha de proteção, que chegou ao norte até a Porterie (agora Place du Capitole), enquanto seu ponto mais ao sul era Porte Narbonnaise, que agora é Place du Salin e Place du Parlement. Por essa época, o cristianismo foi introduzido na cidade por São Saturnino, que mais tarde morreu nas mãos de uma multidão pagã frenética que o amarrou à cauda de um touro. Muitos dos edifícios e monumentos da cidade citados em sua homenagem lembram seu martírio: Rue du Taur (de ‘taureau’, que significa ‘touro’), igreja Notre-Dame-du-Taur, basílica de Saint-Sernin e estação Matabiau (da matar bios , que significa “matar o touro”).

A partir do século V d.C., a cidade foi sujeita a invasões bárbaras: enquanto os vândalos foram detidos pelas defesas galo-romanas, os visigodos, que vieram da região ao redor do Mar Negro, fizeram da cidade a capital do seu império. Um século depois, os francos, por sua vez, tomaram posse da cidade. Até o século IX d.C., houve um período de calma, quando Toulouse se viu relegada à categoria de simples cidade do condado. Durante a Idade Média, porém, tornou-se (governada por Raimond II) capital do condado de Toulouse. Governada por nobres da cidade, Toulouse se expandiu rapidamente, devido ao grande afluxo de colonos das áreas rurais. A cidade então se estendeu além de seus muros para o norte até a Place Saint-Sernin, e para o sul até a área de Saint-Michel da cidade e para o oeste na margem esquerda do rio Garonne. No século XII, a nobreza perdeu a cidade para os Capitouls ou cônsules da cidade.

No século XII d. C., os cátaros, membros de uma seita herética, tentaram se estabelecer em Toulouse, onde tinham muitos apoiadores. O rei enviou suas tropas, lideradas por Simon de Monfort (morto por uma pedra no local onde hoje está o Grand-Rond), acabou conseguindo derrotar os hereges. Como resultado, a primeira onda da Inquisição varreu Toulouse, trazendo consigo um fervor religioso que estava por trás da fundação da ordem monástica dominicana no Convento dos Jacobinos e, a partir de 1229, da criação de uma universidade teológica. Criada uma cidade real em 1271, Toulouse experimentou um rápido crescimento econômico (graças ao rio Garonne) e floresceu intelectualmente e artisticamente. No entanto, um período sombrio em sua história se seguiria a partir do século 14.

O ano de 1420 foi um ponto de virada na história de Toulouse e marcou o início de um século maravilhoso, cujo tema dominante era a prosperidade. Carlos VII introduziu um órgão judicial na cidade: o Parlamento. Comerciantes de pastel, que enriqueceram exportando esse corante azul derivado de plantas por toda a Europa, convergiram pela Grande Rue (hoje Rue des Filatiers, Rue des Changes e Rue St Rome), construíram magníficas casas de cidade (Hôtel d’Assé, Hôtel de Bernuy) e assumiu o controle de uma rica sociedade de Toulouse, na qual floresceram o design arquitetônico e as belas artes. No entanto, em meados do século XVI, Toulouse experimentou sua segunda grande crise: o índigo, um corante muito menos caro, chegou da América, acabando com o comércio de pastel. Uma nova guerra civil, desta vez entre católicos e calvinistas, causou um enorme incêndio, causando danos incalculáveis ​​e até o século XVII, a fome seguiu rapidamente os numerosos surtos de peste que assolaram a cidade. Seguiu-se um período de desenvolvimento, que levou à concretização de vários projetos industriais, como a construção do pont Neuf, a Place du Capitole e o Canal du Midi.

Até hoje sinto uma enorme saudade de Toulouse. Ali iniciei meus caminhos medievais pela França. Nesta linda cidade me perdi, literalmente, me encontrei e a amei profundamente. Quarta maior cidade da França, lar da segunda maior universidade do país e capital aeronáutica da França, Toulouse é uma cidade dinâmica e voltada para o futuro, cujos tons de rosa (para seus edifícios) e azuis (para seu pastel) são um lembrete constante de seu passado rico e também de agruras. Mas a minha impressão maior de Toulouse foi a de paz, ali gostaria de viver, ali gostaria de permanecer.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Professor, Historiador, Escritor Medievalista

Relíquias ou Relicários Medievais – “Os Restos dos Santos”

Relicário de Limoges, França. 1170. Tesouro do British Museum, Londres.

Na tradição cristã quando um santo falece seus restos ou objetos pessoais são depositados em algum lugar sagrado, geralmente em uma igreja. Estes restos de santos e mártires são guardados em cofres, conhecidos como relicários. Estes cofres são de grande valor simbólico, pois lembram um personagem histórico que se destaca por sua santidade e sua vida exemplar como cristão.

Relíquias ou relicários são os “restos” dos santos; seus despojos, como também os objetos que lhes pertenceram, postos em contato com as suas ossadas ou a sua tumba, e os instrumentos da Paixão. As virtudes das relíquias não dependiam de suas dimensões. Segundo Vitrício De Rouen (final do século IV), a mais ínfima partícula preservada do santo bastava para atestá-lo. Manter em sua posse relíquias de santos renomados era sinal de prestígio e, por isso, motivo de roubos, fictícios ou reais. Na Idade Média, no seu início, começaram a ser levantadas as principais catedrais católicas do mundo, cuja construção era financiada por donativos da comunidade. Nesse contexto, a capacidades dos templos de atrair fiéis e peregrinos dispostos a ceder generosas contribuições estava diretamente relacionada à quantidade de relíquias expostas para veneração.

Foram muitos os casos de relíquias que percorreram grandes distâncias, dos locais onde os santos haviam morrido até as suas novas comunidades adotivas, o que era tratado como expressão da vontade do próprio santo. Já no século I, o corpo de São Tiago aportou milagrosamente nas costas da Galícia em um barco sem leme, e, depois disso, orientou dois touros indomáveis até levá-los em uma carreta ao local onde foi construída uma igreja em sua homenagem, em Compostela. O corpo de São Marcos foi levado, por mercadores, de Alexandria para Veneza em 468, e, como prova de que estava indo de bom grado para a sua nova moradia, danificou o navio onde viajava um incrédulo que duvidara ser aquele o corpo do santo. Evidentemente, se o santo não desejasse ser transportado, jamais teria permitido aos homens movê-lo de seu sepulcro original. O corpo de Santo Agostinho teve de deixar a Sardenha, que estava despovoada pelos sarracenos, rumo a Pávia. Encontrando-se em Gênova, Santo Agostinho recusou-se a partir até que obteve do rei a promessa de que, caso o santo se deixasse levar construiria naquele lugar uma igreja em seu nome. O mesmo aconteceria na cidade vizinha de Casal. Como o rei viu que esse procedimento agradava ao santo, ordenou que em todos os locais onde o santo pernoitasse se construísse uma igreja da mesma invocação.

Sapato Relicário, 1350-1400, França ou Suiça.
Cenas da lenda de Santa Margarida de Antioquia são usadas neste caso para um relicário na forma de um pé. De acordo com sua lenda, Santa Margarida foi engolida por um dragão, mas, fortuitamente, ela estava carregando uma cruz que fez a barriga do dragão se abrir e o santo ser libertado. Santa Margarida foi uma das catorze Santa Auxiliadoras e padroeira do parto, invocada por mulheres para proteção durante o parto.

Havia gente especializada no tráfico de relíquias. Foi o caso do diácono Deusdona, pilhador das catacumbas. A translação de relíquias exigia, porém, o acordo do príncipe ou de uma assembleia de bispos. A cerimônia era celebrada com fausto, e as relíquias eram veneradas ao longo de todo o trajeto. O depósito de relíquias nos altares, a translação dos santos às igrejas e sua instalação sob o altar trouxeram importantes transformações arquiteturais (elevação do coro, construção de uma cripta) e sociais (pela inumação ad Sanctos, os mortos adquiriam seus direitos entre os vivos).

Crucificação e Cristo em Majestade. 1180-1190, Limoges, França.

A tomada de Constantinopla em 1204 renovou o estoque de relíquias no Ocidente. “Santas Capelas” como a de Paris, vide o meu artigo sobre Saint Chapelle neste mesmo site, abrigando a Coroa de Espinhos (cuja consagração data de 1248), foram erigidas. De início, o relicário constituía-se de um simples cofre, deram-lhe também a forma do membro conservado e, às vezes, da estátua toda do santo.

Mais tardiamente, pequenas janelas abertas nos relicários permitiam aos fiéis entrever os despojos santificados, expostos por ocasião das grandes cerimônias.

O IV Concílio de Latrão, em 1215, decidiu que a veneração de novas relíquias dependeria do acordo prévio do papa. A medida não impediu os muitos abusos, denunciados por Calvino em um panfleto.

Relicário de St. Taurin, Evreux, França, século XIII

As curas, as emanações maravilhosas e suntuosas, os traslados milagrosos e misteriosos a incorruptibilidade eram as provas de que os santos estavam privando da companhia de Cristo, de que suas relíquias eram materiais, artefatos divinos que rompiam as barreiras do tempo e do espaço. Justamente por serem investidas de enormes poderes e carisma, as relíquias sagradas estiveram no centro das disputas religiosas na Europa medieval e no início da Idade Moderna.

Relicário de Liga de Cobre, encontrado na França, de 1250. British Museum.

 

Paulo Edmundo Vieira Marques

Professor, Historiador, Escritor Medievalista

Uta von Ballenstedt – A Misteriosa Beleza do Medievo Saxônico

Uma das estátuas mais intrigantes do período medieval mostra-nos uma dama esculpida por um mestre desconhecido. Postura emblemática nos atrai de sobremaneira. Marcantes traços nos levam a pensar e refletir quem era esta mulher. Inicialmente a instigante madame Uta, conta quase 800 anos de idade.

Uta de Ballenstedt nasceu em meados do ano 1000 e morreu em 23 de outubro de 1046, foi marquesa de Meissen de 1032 ou 1038 a 1046 como a esposa de Ekkehard II de Meissen. É conhecida por estar representada na estátua feita pelo Mestre de Naumburg.

Era filha do Conde Adalberto I de Ballenstedt e de Hida, filha de Odo I da Marca Oriental Saxã. Ela era a irmã de Esico de Ballenstedt, fundador da Casa de Ascânia. Recebeu uma excelente educação literária a partir dos seis ou sete anos pelas freiras da Abadia de Gernrode, fundada pelo seu tio-avô, o conde Gero. A tia-avó da bela Uta de Ballenstedt, irmã de Gero, foi responsável pela educação da princesa quando criança.

Por vontade do pai, Uta se casou em 1026 com Ekkehard II de Meissen para fortalecer sua influência ao leste de seu território. Meissen havia sido fundado em 965 por Otão I, Imperador do Sacro Império Romano-Germânico. A marquesa foi famosa pela sua força e coragem, tendo construído a Catedral de Naumburg. Contudo, não teve filhos e após a morte de seu marido a dinastia de Ekkehardienne chegou ao fim.

Depois da viuvez, a residência da senhora Uta variava entre a Abadia de Gernrode, onde sua irmã Hazecha era a abadessa, e a corte da Imperatriz Inês da Aquitânia, onde morreu em 1046.

Uta de Ballenstedt e seu marido Ekkehard II

Há mais de 700 anos Uta, de Ballenstedt, observa de cima os visitantes da Catedral de Naumburg: muda, misteriosa, com a gola do manto levantada, orgulhosa, inatingível e, no entanto, vulnerável.  Ao lado dela, no grupo formado por um total de 12 familiares, está o esposo, Ekkehard II. Ao lado do irmão, ele é considerado o patrono desse edifício litúrgico entre os estilos românico tardio e gótico, preservado até hoje.

 O “Mestre de Naumburg” não esculpiu santos na pedra, mas sim nobres, aos quais deu um gestual e almas próprias. Com essas figuras de arenito em tamanho natural, ele concluiu sua principal obra em 1249, após dez anos de trabalho.

Os historiadores também estão seguros de que o escultor e arquiteto viveu 200 anos depois dos patronos que retratou. Mas é como se os tivesse conhecido de perto: jamais antes um artesão-artista produzira figuras tão expressivas e exatas nos detalhes.

 A biografia do próprio escultor, por outro lado, permanece envolta em mistério: nem mesmo seu nome chegou até nosso tempo. Porém tudo indica que essa obra de arte total – que é a catedral da cidade na Saxônia-Anhalt – não se deva a um único artista solitário. Mais provável é que um grupo de artesãos tenha primeiro sido formado e instruído no norte da França, sob a supervisão de um “mestre”, para mais tarde atuar em outras partes da Europa.

Seu estilo de retratar indivíduos em três dimensões – sensacional na época – também se encontra nas catedrais francesas de Reims, Amiens, Noyon, Chartres e Metz. Em seguida, o Mestre de Naumburg deve ter se mudado para Mainz. Supõe-se que também as célebres estátuas da Catedral de Meissen sejam obra sua. É nessa cidade da Saxônia que seus rastros se perdem definitivamente em 1250.

Catedral de Naumburg, Alemanha

O mestre também deixou sua marca artística no portão que dá acesso ao coro leste da Catedral de Naumburg. Trata-se de uma imagem de Jesus pregado à cruz, no rosto uma dor imensa, ao seu lado Maria verte lágrimas amargas. O crucifixo não se encontra em local inatingível para o visitante, mas sim quase à altura dos olhos. Segundo os especialistas em história eclesiástica, assim está caracterizada a presença terrena do Filho de Deus tornado homem, em toda sua dor e sofrimento.

A beleza da estátua de Uta de Ballensdetd nos remete a essência do trabalho do Mestre de Naumburg mas além disto nos faz refletir o olhar, a postura, a imposição desta dama que é um ícone do medievo.

Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista.

Claustros Medievais – Santo Silêncio

Claustro da Catedral de Gloucester, Inglaterra.

O silêncio é a oração dos sábios.

 Augusto Cury

 

 Claustro, recinto quadrilátero cercado por passarelas cobertas e, geralmente ligado a uma igreja monástica ou catedral e às vezes a uma faculdade. O termo usado em um sentido restrito se aplica às passarelas e a seus vários caminhos do seu interior. A área central, amplo sentido, abrange em geral as casas das ordens religiosas, jardins, capelas e, em um sentido genérico para lugares de retiro para fins religiosos e discussões estruturais e administrativas, como as Salas Capitulares*.

Sua estrutura, sua edificação arquitetônica era feita no sentido de proporcionar o mais restrito e completo retiro espiritual aos seus moradores. O “santo silêncio” não deveria ser perturbado pelos ruídos do mundo lá fora. Os claustros medievais educavam, formavam novos soldados da fé católica, monges, cônegos, abades, etc., através da clausura, mas de intensa dedicação e trabalho na manutenção espiritual e material do local onde viviam.

Claustro da Abadia Canterbury, Inglaterra.

Um claustro é geralmente a área em um mosteiro em torno do qual os edifícios principais são variados, proporcionando um meio de comunicação entre os edifícios. Na prática medieval desenvolvida, os claustros costumavam seguir um arranjo beneditino ou cisterciense. Na forma beneditina, a igreja estava localizada de um lado do claustro, com o refeitório ocupando o lado oposto, para que os adoradores pudessem ser removidos dos ruídos e odores da cozinha. A casa do capítulo foi colocada no lado leste, com outros apartamentos adjacentes a ele e o dormitório geralmente ocupando toda o seu entorno. No lado ocidental, encontrava-se a adega, perto de armazéns que possuíam as provisões da comunidade.

Nos monastérios cistercienses, o lado ocidental do claustro era habitualmente ocupado pelo domus conversorum* de dois andares, com as salas do dia e as oficinas situadas sob o dormitório. Os edifícios geralmente ficavam no sul da igreja para obter o máximo de luz do sol possível.

Claustro de Saint-Trophîme, Arles, França.

O claustro de uma casa religiosa era o centro de atividade para seus habitantes. Em suas salas adjacentes os membros mais jovens eram educados e os anciãos estudavam e eram tratados caso adoecessem. A caminhada oeste era tradicionalmente, se não oficialmente, o lugar da instrução educacional. As outras passarelas, especialmente as que ficavam ao lado da igreja, foram dedicadas aos estudos dos monges mais velhos e, neles se incluía canções de Natal, cantos em Geral, aprendizado para tocar órgãos e outros instrumentos essenciais para o coro das igrejas. O claustro também serviu para exercícios físicos e recreação geral, particularmente em mau tempo e, sua área central e passarelas eram os lugares habituais de encontros dos monges para conversas, meditações, etc.

Claustro da Abadia de Fontfroide, Narbonne, França.

Sala Capitular, corredor central do claustro da Abadia de Fontfroide, Narbonne, França.

Maiores estabelecimentos monásticos costumavam ter mais de um claustro; geralmente havia um segundo contato com a enfermaria (por exemplo, na Abadia Westminster e Canterbury) e às vezes um dando acesso à cozinha e outros escritórios domésticos. Os claustros também estavam ligados às faculdades de caminhos seculares, como nas catedrais de Lincoln, Salisbury e Wells; e as faculdades de Eton e Winchester, bem como New College e Magdalen College em Oxford, também têm claustros.

Os primeiros claustros consistiam em arcadas abertas, geralmente com telhados de madeira inclinados. Esta forma de claustro foi geralmente substituída na Inglaterra por uma variedade de janelas, geralmente não esmaltadas, mas às vezes, como em Gloucester, provido de vidro, iluminando um ambulatório abobadado. Nos climas do Sul, o claustro de arcada aberta permaneceu padrão; deste tipo são os claustros de Saint-Trophîme em Arles, no sul da França, Santo Domingo de Silos em Espanha e o Mosteiro de Belém, perto de Lisboa, todos os quais são famosos pela sua decoração escultural. No entanto, o claustro aberto alcançou o seu maior desenvolvimento na Itália.

Claustro de Iranzu, Abarzuza, Navarre, Espanha

Ahhh! Claustros silenciosos, moradas dos anjos, recintos de estudos. Quantas aptidões, ensinamentos repassou. Quantos choros ouvistes. Tristezas, muitas, mas opcionais. Risos, escassos, mas sinceros. Enfim que mundo maravilhoso onde foram construídos ideias e pensamentos de todos os modos e sentidos. Os que lá se recolheram de alguma forma ou de outra em algum momento, através do infinito silêncio, pois ele é uma confissão interior conversaram com os anjos e, isto com certeza deve ter ocorrido. Ahhh! Os claustros, enigma que só o vento decifra.  

Eu junto ao claustro da Abadia de Fontfroide, Narbonne, França
*Sala Capitular. A Sala do Capítulo é um salão encontrado em mosteiros, conventos, colegiadas ou catedrais onde era realizado o capítulo, ou seja, as reuniões entre os monges ou cónegos com os seus superiores, como abades, priores. Nestas assembleias podiam ser discutidas tanto as regras da ordem como questões relacionadas com a administração do mosteiro. Nos mosteiros, as salas do capítulo eram feitas de materiais nobres e robustos e ornamentados com esmero e encontravam-se junto aos claustros.
*Domus Conversorum” às vezes era usado também para descrever o lar dos irmãos leigos nos mosteiros.

Paulo Edmundo Vieira Marques, Professor, Historiador e Escritor Medievalista

Semur-en-Auxois – A Cidade Criada Por Hércules

Construída sobre uma pedra de granito rosa, ao lado do rio Armançon, Semur-en-Auxois é uma cidade medieval por excelência. De acordo com a lenda, foi construída por Hércules em seu retorno da Espanha, no caminho para completar os doze trabalhos que lhe foi incumbido para se tornar um Deus. Para manter esta ideia “grega” de cidade, foi considerada e estimulada a ser chamada pela elite intelectual que nela residia de “a pequena Atenas da Borgonha” no decorrer do século XVIII. Basta atravessar as suas portas para nos transportarmos até o século XV.

É em 606, na carta de fundação da Abadia de Flavigny-sur-Ozerain, que se encontra o primeiro traço escrito sobre Semur, equivalente a muro, muralhas (paredes antigas) enfatizando assim o caráter defensivo do local. Na Alta Idade Média, o núcleo de habitantes primitivos é agrupado em torno dos muros construídos diante do enorme granito. No século XI, Semur tornou-se a cidade-chefe do município de Auxois, sendo integrada ao ducado da Borgonha. Ao longo dos séculos, Semur desenvolveu-se e, em 1276, tornou-se comuna e se beneficiou com as concessões e benefícios dados pelo duque da Borgonha Robert II. O monarca gostava muito da pequena fortaleza medieval e admirava e até acreditava que o vilarejo fora criado por Hércules.

A cidade assumiu toda a sua importância em meados do século XIV, na época da Guerra dos Cem Anos, quando o Duque Philip, “o ousado”, decide reforçar as defesas naturais do local construindo torres de vigília e proteção, um forte, em um lugar chamado Donjon situado entre o distrito do castelo e o bairro que se desenvolveu em torno do Igreja de Notre Dame.

A vida religiosa também era intensa, com duas paróquias e assentamentos monásticos que cresciam constantemente ao longo do tempo.

Semur-en-Auxois no vale do Armançon uma cidade extremamente fortificada no Auxois, era fiel aos Duques da Borgonha, a ponto de se opor à autoridade real. Uma posição que pagou um preço elevado quando, em 1478, as tropas francesas de Louis XI investiram contra a cidade e a ocuparam.

A cidade perdeu sua vocação defensiva para se tornar a capital administrativa de Auxois, em 1790, tornando-se cidade-chefe do distrito de Semur. Permanece até 1926, quando a sub-prefeitura é transferida para Montbard.

Em termos turísticos é um dos destinos mais concorridos da região atravessada pelo rio Armançon. Suas ruas rústicas com calçamentos medievais nos transportam a vários pontos inesquecíveis. O medievo pulsa.

Seguindo rumo a zona mais alta da cidade chegaremos à chamada Porta do Relógio, que nos leva a uma praça repleta de monumentos históricos que nos deixam boquiabertos tamanha beleza. As Quatro Torres é outro local para se visitar e se encantar pois as estruturas originais do Castelo de Semur ainda permanecem intactas em especial a torre de estilo renascentista em forma de tabuleiro de xadrez.

Cruzando a Ponte Joly que atravessa o rio Armançon podemos divisar as torres e obter excelentes fotografias panorâmicas da cidade, um lugar realmente de conto de fadas. Para um historiador, um museu a céu aberto.

Conhecer a Igreja de Notre Dame levantada no século XIII é uma recompensa para quem ama a arte gótica, por sinal toda a praça principal de Semur nos leva ao auge do gótico. Também vale a pena visitar o Convento dos Jacobinos, construído no século XVII que guarda em seu interior o Museu de História de Semur.  Enfim atrativos não faltam para esta linda cidade medieval, criada, segunda a lenda, por Hércules. Os amantes do medievo agradecem a presença do herói grego em seu contexto. Até um dia linda cidade.

Igreja de Notre Dame de Semur-en-Auxois, maravilha gótica.
 
Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista

 

Villefranche-de-Rouergue – Bastides de Rouergue, a Nova Cidade

Villefranche-de-Rouergue é a primeira “cidade nova” fundada por Alphonse de Poitiers em 1252. Esta inovação estrutural das cidades marcou a floração e progresso da região de Midi-Pyrénées durante a Idade Média.

A bastide alfonsina é criada no coração de um vale, num território com abundantes recursos naturais (pedreiras, veias de prata, terras aráveis), e terras agrícolas complementares. Sua vocação é reagrupar uma população dispersa para organizar e criar trocas econômicas favoráveis ao seu fundador e seus habitantes. A bastide de Villefranche-de-Rouergue adota um plano urbano regular, composto por uma série de ilhotas de casas em faixas, que reúnem uma rede octogonal e ruas longitudinais (principais) e transversais (secundárias). Quatro das oito principais ruas se conectam à Praça Notre-Dame, centro de instituições comerciais, políticas e religiosas. Este grande quadrado alinhado com estantes e feiras é aonde o mercado ocorre, e é dominado pela Catedral de Notre-Dame.

As ruas de Villefranche me transportou para a Idade Média, literalmente. Ruelas estreitas de uma peculiaridade marcante. Portas antigas e lindas, janelas decoradas, lojas convidativas, pessoas felizes, enfim, minha mente guarda com carinho os passos que percorri do ônibus até a praça central. Inesquecíveis.

Se você quiser ter um bom exemplo do que é uma bastide*, você encontra em Villefranche de Rouergue, uma vila de origem medieval que foi criada em 1252, e agora tem cerca de 8.500 habitantes, no departamento de Aveyron, no Midi-Pyrénées.

Localizado nas margens do rio que dá seu nome ao departamento, a bastide de Villefranche de Rouergue é organizada em torno da praça de Notre Dame, o ponto central desta cidade, onde se encontra a abadia de Notre Dame, um edifício que começou a ser construído 1260 e foi concluído no final do século XV.

Esta praça é também o local para o tradicional mercado das quintas-feiras, que estabelece em Villefranche, neste dia da semana, uma ótima atmosfera de visitantes atraídos por bancas de rua.

A melhor maneira de ver a bastide de Villefranche de Rouergue é escalar o campanário da abadia com sua escadaria circular estreita de 163 degraus.

Do ponto de vista da torre você tem uma vista esplêndida da bastide, com a praça Notre Dame em primeiro plano. Se você visitar a cidade numa manhã de quinta-feira, a partir daí você pode ver as telas coloridas que cobrem as bancas do mercado, criando uma imagem muito peculiar.

Na minha visita em abril de 2015, não pude ver a feira pois a excursão não visitou a cidade em uma quinta-feira. Mas andando pela praça tive a oportunidade de admirar sua bela configuração medieval e desfrutar das mais variadas perspectivas arquitetônicas da linda cidade. Todo o lugar desperta-nos uma sensação convidativa, um “não quero mais sair daqui”.  A cidade nos intriga positivamente. Também a partir da torre da igreja você pode ver algumas edificações que se destacam na cidade, bem como a aglomeração de edifícios e os becos estreitos que mostram como foi configurada a vila medieval a partir do século XIII. Apesar de contratempos a cidade me cativou. Um dia ainda espero retornar a bastide, de preferência em um dia de feira. Ahh! Doce Villefranche, sinto saudades.

*É um tipo de cidade medieval fortificada que foi desenvolvida especialmente no sul da França a partir do século XIII, que com seu layout urbano especial proporcionou segurança aos seus habitantes e permitiu o desenvolvimento de atividades comerciais.
As bastides eram aldeias fortificadas com casas muito agrupadas pela estreiteza de suas ruas, que estavam dispostas em torno de uma praça central, e que se transformaram em lugares realmente fortes que permitiram defender-se dos ataques dos bandidos.
Atualmente, na França estão catalogados 415 bastides. Todas no sudoeste do país, distribuídas em quatro departamentos.
Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista.
Este texto é uma homenagem a minha grande e querida amiga Maria Cristina Aguado Casal. Mulher de extrema sensibilidade e generosidade. Abraço e obrigado por ser minha amiga

Estaing – A Princesa do Lot

Estaing, a princesa do Lot, a guardiã do lindo rio foi uma grata surpresa. Maravilhoso vilarejo medieval do Departamento de Aveyron com cerca de 800 moradores permanentes. Meu encantamento fez meu coração acelerar desde o primeiro momento que a vi. Você já pode ver sua silhueta no final do vale quando se aproxima da estrada, com seu castelo medieval que se eleva sobre os telhados pretos de ardósia das casas em um pequeno aclive e com a ponte gótica que dá acesso e permite atravessar o rio Lot.

Estacionamos o ônibus em uma ruela a beira do rio e começamos a visitar suas principais atrações e, como não poderia deixar de ser o nosso objetivo maior era o imponente castelo da linda cidadezinha medieval.

Começamos a atravessar a aldeia através do “Quartier du Barry”, o bairro que estava fora dos antigos muros medievais e vislumbramos belos edifícios de séculos diferentes (que vão do XVI ao XVIII), como por exemplo a velha escola de St. Fleuret, a casa burguesa construída em 1774 que hoje abriga a Hospedaria de Saint Jacques ou a mansão de Cayron que atualmente abriga a prefeitura. A minha alegria era tanta que corria por suas ruelas com um enorme sorriso em meu rosto que os meus amigos se admiravam com tamanha felicidade. Felizes chegamos à Place François Annat, onde estão os principais pontos de interesse da cidade: o castelo e a igreja.

O castelo foi construído pela família Estaing (uma família nobre da região de Rouergue) no século XIII em torno de uma torre pentagonal existente. Esta tornou-se sua residência familiar e particular por quase oito séculos. Mais tarde, passou para as mãos da congregação religiosa St. Joseph d’Estaing (especificamente de 1836 a 2000) que impediu que caísse em ruínas. Foi classificado como um monumento histórico em 1945 e, desde 2012, pertence à Fundação Valéry Giscard d’Estaing (de propriedade do ex-presidente da República Francesa).

Posteriormente descemos em direção a sua magnífica ponte, onde a princesa Estaing guarnece a travessia do rio Lot, antigamente importante caminho de trocas comerciais.

A ponte gótica de Estaing, com seus 4 arcos pontiagudos que corta as margens do rio Lot é classificada como Patrimônio Mundial da UNESCO como parte do Caminho de Santiago de Compostela. Começou a ser construído em torno do ano 1490 e foi finalmente concluída sob a direção de François d’Estaing, e é por isso que em 1886 uma estátua dele foi instalada lá em frente à aldeia. Também na ponte podíamos ver a famosa Cruz de Ferro Forjado, símbolo da região do Aveyron e que inspirou o ourives Henri Lesieur a projetar um pendente hoje famoso.

No final da ponte, podemos ver um antigo Oratório do ano de 1524, consagrado a Nossa Senhora das Sete Dores.

Nossa visita, em abril de 2015, em plena primavera de Aveyron, foi de uma sensação indescritível. Estaing nos forneceu e nos remeteu a vários sorrisos.

Conversando com um morador, ele me disse que é muito bonito e instigante visitar Estaing, no segundo final de semana de setembro, pois você encontrará suas festas medievais e você poderá ver as pessoas vestidas com a indumentária do período, com caracterizações perfeitas, um mercado que vende produtos artesanais, torneios de cavaleiros, trovadores e um ótimo banquete sábado à noite.

Espero um dia revê-la princesa e que seja de preferência na segunda quinzena do mês de setembro. Até lá milady.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Professor, Historiador e Escritor Medievalista

As Catapultas do Medievo – Vizinhos Maus

As catapultas medievais são mecanismos de cerco que utilizam uma espécie de braço para lançar um objeto (pedras e outros) a uma grande distância, evitando assim possíveis obstáculos como muralhas e fossos.

Em termos técnicos, as armas de cerco aproveitavam os princípios de funcionamento de duas armas muito antigas, mas também muito eficientes: o arco e a funda, espécie de corda para atirar pedras. Em diferentes momentos históricos, foi o aprimoramento e a junção das duas invenções que permitiu o surgimento da artilharia. A partir delas dá para estabelecer duas linhas evolutivas para contar essa história. A primeira, que aconteceu no Ocidente, foi a que originou a catapulta propriamente dita. Com significado em grego indicando algo como “jogar contra”, a catapulta foi uma das poucas armas da Antiguidade com local e data de nascimento registrados: a cidade-Estado grega de Siracusa, na ilha da Sicília (atual Itália), por volta de 399 a.C. Mas há um mistério. O artesão que bolou a catapulta permanece desconhecido. Uma das explicações é que, provavelmente, o engenheiro que concebeu a peça era um escravo. E escravos não podiam levar a fama.

O invento, com uma tecnologia mais avançada, que ficaria conhecido no Ocidente com o nome de trebuchet, foi construído por forças cristãs que combatiam na Terra Santa durante a Terceira Cruzada (1189-1192). O comandante da expedição, o rei inglês Ricardo Coração de Leão, tinha uma adoração especial por dois enormes trebuchets apelidados por ele de Catapulta de Deus e Vizinho Mau, que abriram enormes brechas na fortaleza da cidade de Acre.

 

Originalmente, a palavra catapulta referia-se a um lançador de pedras, enquanto balista basicamente, uma grande besta que atirava diversas flechas e dardos, seguindo uma trajetória horizontal, semelhante a passar um prato rapidamente, de um lado para o outro, sobre uma superfície plana.

As manganelas eram catapultas enormes e com rodas, capazes de atirar pedras e outros projéteis, à grandes distâncias, normalmente contra as muralhas dos castelos. Os itens eram colocados em uma tigela ou balde e atirados com um braço, também conhecido como onagro.

A poderosa Trabuco era usada atirar muitas pedras, ou objetos em chamas, de uma só vez. Era considerada a catapulta mais perigosa de todas. Porém, através dos anos, os termos foram gradativamente sendo modificados.

Para preparar a catapulta, os soldados apertavam a corda, girando o sarilho. Com isso, as cordas na base do braço eram torcidas, ficando cada vez mais apertadas. Os soldados então colocavam no receptáculo uma pedra muito grande ou outros objetos, e depois soltavam a corda. As cordas em volta da base se desenrolavam todas ao mesmo tempo e o braço se movia para frente, lançando sua carga. Uma catapulta grande era capaz de arremessar uma pedra por até 460 metros de distância.

As catapultas em geral eram usadas para destruir muros de castelos. Para atacar um castelo, normalmente era necessária mais de uma. As catapultas também eram usadas para arremessar lanças contra um exército inimigo quando este avançava.

Os exércitos usavam catapultas grandes e pequenas. As menores eram montadas sobre rodas e levadas para as batalhas. Carpinteiros que viajavam com os exércitos construíam catapultas ao longo do percurso até as batalhas. As de grande porte geralmente ficavam em um só lugar e eram usadas pelos moradores das cidades e dos castelos para se defender.

Sem sombra de dúvida um vizinho indigesto, incômodo e letal durante uma batalha medieval. Arma que escreveu uma história militar medieval de extrema relevância e importância pois originou perspectivas sociais e políticas em vários reinos do medievo.

Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista.

 

Abadia de Moissac – Pedras que Falam

A Abadia de Saint-Pierre de Moissac é um complexo arquitetônico religioso que se destaca por suas extraordinárias esculturas românicas, localizado na cidade francesa de Moissac, no Caminho de Santiago de Compostela. O prédio impressiona, também, por sua paz e enorme espiritualidade.

Fundado no século VII, foi saqueado pelos muçulmanos depois de serem derrotados na batalha de Poitiers, incendiando-o no ano de 1042. Mas o mosteiro será ligado à poderosa ordem da Abadia de Cluny no ano de 1047. Com o abade Durand, monge formado em Cluny, deu-se a reforma espiritual e material do prédio semidestruído. Mais tarde, um dos seus sucessores, o abade Ansquitil, monge de extrema sensibilidade artística (1085-1115), encarregou-se da edificação do claustro que sofreu uma enorme modificação estrutural.

Com o apoio significativo de Cluny o mosteiro tem prosperidade e tranquilidade permanecendo sem sobressaltos até o século XV.  As pedras são assíduas dialogantes dos monges. Durante a Revolução Francesa, ele sofreu inúmeras dificuldades, mas com apoio de muitos principalmente dos peregrinos que iam para Santiago de Compostela o claustro e a frente ocidental se mantiveram intactas. Os maravilhosos vestígios da arte românica da Abadia de Moissac foram preservados.

A história mudou o tamanho do grande mosteiro que faz parte da abadia. A lenda atribui sua fundação à Clovis I (481-511), cuja conversão significava o triunfo do catolicismo na Gália. Depois de derrotar os visigodos arianos, uma visão milagrosa inspirou-o para criar na confluência do rio Tarn Garonne, um grande mosteiro destinado a mil monges.

Sem documentação para provar, usando manuscritos do monge e santo St. Didier, bispo de Cahors, como a fonte mais aceita pelos historiadores é creditado para o rei Clovis II (635-657), que entre 630 e 655 cuidou de sua fundação, pois a Abadia desde o início da sua construção gozava de favores reais.

O magnífico claustro de Saint-Pierre de Moissac é emblemático. Assustadoramente belo. O claustro, que é acessado a partir da Plaza de Durand de Brendons foi concluído em 1100, quando Ansquitil era o abade, ele mantém seus 76 capitais excepcionais.

A mistura de capitéis decorados com magníficas plantas decorativas é um exagero de beleza arquitetônica. As flores de canto são de uma perfeição estrutural de extremo bom gosto. Os detalhes impressionam. Nos ábacos, animais reais e fantásticos, incluindo figuras humanas aparecem às vezes, e têm se mantido intactas apesar dos anos. Na banda superior da dos bordados são vistas conchas com formas geométricas, com inscrições que se relacionam com a iconografia do capitel em que as mesmas aparecem, perfeito. Em outros capitéis, de uma beleza estonteante, cinzéis escrevem as cenas do Antigo Testamento a partir da Paixão de Cristo, e da Redenção, e distribuído entre eles pode se ler outros itens como: milagres ou martírios de santos e algumas páginas do Apocalipse.

A porta ocidental e o tímpano da Igreja de Moissac impressiona pela riqueza nos detalhes das pregas e drapeados das roupas, inseridas nas estruturas arquitetônicas românicas, espantam pela perfeição. Mas acima de tudo, faz nos admirar, a capacidade de transmitir atitudes dos personagens dentro e fora do tímpano que parece receber seus visitantes sussurrando canções espirituais e de paz.

Entre 1115 e 1130 esta cobertura magnífica foi concluída. O tímpano de cerca de seis metros de diâmetro, repousa sobre um lintel* formado com três blocos de mármore bordados com um grande número de rosetas. O lintel busca seu apoio no batente central e dois batentes suplementares de sustentação para as suas imagens: à esquerda, São Pedro, padroeiro da abadia, e à direita do profeta Isaías são referências para o Novo e o Velho Testamento. Duas pilastras com decoração maravilhosa e meticulosa, na parte superior do portal, dão ao pórtico uma beleza ainda maior.

Os fiéis que lá adentram, principalmente àqueles que se dirigem Á Santiago de Compostela relatam que as vozes das pedras sussurram em seus ouvidos animando-os diante da árdua caminhada que ainda lhes resta. O complexo é uma enorme pedra bíblica dirigida a um povo iletrado sedento de fé. Um magnífico trabalho do medievo uma obra-prima da escultura românica.

Há muito mais nestas paredes do claustro, da igreja que apenas com calma, serenidade e sensibilidade que um dia talvez eu perceba com o meu coração e lentamente comece a ouvir as pedras contarem a história deste maravilhoso lugar.

*Em arquitetura, um lintel é uma peça dura de materiais diversos (madeira, ferro, pedra, concreto, etc.) que assenta nas ombreiras, ou jambas e constitui o acabamento da parte superior de portas e janelas; sendo também chamado de dintel, padieira ou verga.

Paulo Edmundo Vieira Marques, professor, historiador e escritor medievalista

 

Bruniquel – A Joia Medieval do Midi-Pirinéus

Bruniquel é uma pedra preciosa. Comuna francesa no departamento de Tarn-et-Garonne na região da Ocitânia. Bruniquel faz parte da lista das mais belas aldeias da França. Seus habitantes são de uma hospitalidade ímpar conforme relatos de amigos que lá visitaram os seus maravilhosos monumentos.

Bruniquel está localizada em uma colina íngreme com vista para a confluência do rio Vere, que vem de Albi, e do rio Aveyron que corre pelo desfiladeiro de mesmo nome, esculpido no planalto de calcário de Limogne. Pequena vila medieval de Quercy com mais ou menos 900 habitantes fixos, a maravilha do medievo do Tarn, desponta por suas casas e fortificações medievais. Está localizada 28 km a leste de Montauban.

O castelo da rainha Brunhild domina o lado do penhasco de Aveyron. O lugar foi atribuído à rainha em 587 até sua execução, em 613, triste morte, com o cabelo da soberana amarrado à cauda de um cavalo. O castelo também foi utilizado nas filmagens de Jeanne D’Arc, de Luc Besson.

A pequenina cidadela foi conquistada em 1176 pelos condes de Toulouse, Casa Trencavel. Em 1211 o trovador Guilhem de Tudèia, co-autor da “Canção da Cruzada”, se refugiou com Baundoin de Toulouse (meio-irmão do Conde Raymond VI) que ofereceu Bruniquel aos cruzados dissidentes e favoráveis a um movimento contrário a religião católica. Descoberto foi julgado como traidor sendo enforcado 1214, em Montauban.

 Após a cruzada, a vila experimentou um grande incremento comercial uma vez que estava no caminho de peregrinos de Saint Jacques de Compostela. A sua igreja, de uma estrutura simples mas com recantos para o descanso e reza dos peregrinos ganhou fama.  A maioria das casas foi construída entre o séculos XIV e XVI, principalmente em pedra, mas também em enxaimel. A maioria manteve suas ruas sinuosas e pavimentadas com pedras rústicas. No topo da colina se localiza castelos de excelente preservação datados do século XIII e XIV. Parcialmente destruídos após a paz de Montpellier em 1622 entre Louis XIII e protestantes, eles foram restaurados de forma considerável.

Bruniquel, em seguida, fica adormecida. No século XIX desperta para desenvolver atrações turísticas e paisagens que levam inúmeros artistas e pintores lá residirem.

De 1915 a 1921, Marcel Lenoir, pintor da escola Montparnasse, admirada por Picasso, vive nas proximidades e parte de sua obra é exposta no Museu Castelo de Montricoux. Castelos de Bruniquel ficam imortalizados no cinema no filme de Robert Enrico Le Vieux Fusil em 1975.

A história também observa que, nos primeiros dias da Segunda Guerra Mundial, como parte dos planos de evacuação para as pessoas que vivem perto das fronteiras do Oriente e as áreas prováveis ​​de luta, residentes Salonnes em Moselle (Lorraine) foram transportados para Bruniquel. Após o armistício, em junho de 1940 e significando o fim dos combates, alguns dos refugiados foram autorizados a voltar para casa em Lorraine, alguns optaram por ficar em Quercy.

Bruniquel é uma meta que ainda vou perseguir para conhecer os seus segredos e belezas. Estava no meu roteiro de 2015, mas em virtude de fortes chuvas à época não pude subir as colinas da maravilhosa joia do Midi-Pirinéus. Mas não te esqueci doce cidadezinha. Aguarda-me.

Paulo Edmundo Vieira Marques

Professor, Historiador e Escritor Medievalista

Catedral de Lincoln – Fé nas Alturas

Considerada a segunda maior igreja da Inglaterra, no estilo gótico, a Catedral de Lincoln é realmente imponente por sua grandiosidade e beleza. Sua majestosa e deslumbrante construção realmente nos impressiona. Também chamada de Catedral de Santa Maria, possui enormes vitrais, esculturas, 20 grandes sinos. Existem treze sinos na torre sudoeste, dois na torre noroeste e cinco na torre central e, atualmente, é a sede da igreja anglicana.  Em extensão, é a terceira maior abadia da Inglaterra, possuindo 148×83 metros. É considerada uma das igrejas mais altas do planeta, com 160 metros de altura. Entretanto, a altura exata tem sido tema de debates.

Por quase 300 anos, a Catedral de Lincoln foi o monumento mais alto do mundo, e suas incríveis dimensões ainda dominam a histórica cidade. É amplamente considerada uma das mais belas construções góticas do mundo e está repleta de esculturas surpreendentes.

Remigius de Fècamp, primeiro bispo de Lincoln, ordenou a construção da catedral em 1072. Antes disso, a Igreja de Santa Maria em Lincoln era uma igreja-mãe, mas não uma catedral, e a sede da diocese era a Abadia de Dorchester em Dorchester-on-Thames, Oxfordshire. A primeira Catedral de Lincoln, construída no lugar onde se encontra atualmente, foi finalizada em 1092. Em 1141, a cobertura de madeira foi destruída em um incêndio. O bispo Alexandre reconstruiu e expandiu a catedral, mas ela foi novamente destruída por um terremoto cerca de quarenta anos mais tarde, em 1185.

Após o terremoto, um novo bispo foi nomeado. O bispo era Hugo de Avalon (assim chamado por ter nascido em Avalon, na França); ele iniciou um programa de reconstrução e expansão maciça.

A catedral é a terceira mais extensa da Grã-Bretanha (compreendendo a planta baixa), depois da Catedral de São Paulo e da Catedral de York, com medidas surpreendentes acima descritas. O seu interior é de um esmero encantador e de uma preservação maravilhosa. Ela é o maior edifício de Lincolnshire e até 1549 sua torre era considerada a mais alta torre medieval da Europa.

Dentro de suas curiosidades destaca-se; a Catedral de Lincoln foi usada como locação para as filmagens do filme: o Código da Vinci, estrelado por Tom Hanks e também para do longa-metragem: A Jovem Rainha Vitória.

Espero, se Deus quiser, poder visitar esta maravilha do gótico. Sem dúvida uma dádiva do medievo. Esplêndido e encantador trabalho.

Paulo Edmundo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista

Saint-Côme-d’Olt – Cativante Medievo

Saint-Côme-d’Olt foi uma grata surpresa para os participantes da nossa maravilhosa viagem. Todo o seu perímetro urbano é cercado por muralhas medievais que permitem adentrar na cidade através de suas três portas fortificadas. Qualquer que seja a sua opção, a entrada que você escolher, lhe proporcionará uma cativante volta ao passado, ao intrigante mundo medieval. Um museu a céu aberto, um momento de refletir e analisar esse belo patrimônio cultural.

Sublime medievo. Vilarejo cativante que fez a todos maravilhar-nos com a sua conservação datados em sua maioria dos séculos XV e XVI. Pude sentir o medievo pulsar em minhas veias. As ruas nos convidavam para um passeio medieval. Incrivelmente nos arrastavam para uma caminhada que jamais deixaríamos de nos lembrar. Momentos inesquecíveis. 23.04.2015, o medievo é hoje.

O ônibus estacionou em frente a Place de la Porte Théron e andamos felizes e maravilhados com a cidade velha. Do outro lado da área fortificada descobrimos o elemento primordial da exuberante vila medieval; a sua bela igreja, símbolo da comunidade de Saint-Côme-d’Olt, (basicamente por causa de seu sino trançado, torneado). Fui o primeiro a chegar em suas escadarias e lá encontrei um típico agricultor francês que lá tinha ido fazer as suas preces. Em espanhol falamos e ele me deu as primeiras considerações e dados históricos do lindo prédio. Igreja Gótica Flamboyant, foi construída entre 1522 e 1532 pelo arquiteto Jean Salvanh. A torre sineira é certamente uma raridade em França, mas se também destaca o portão de entrada, (porta principal da igreja) uma vez que é adornada por 365 medalhões cravados com pregos de ferro forjado, datada de 1522. Uma preciosidade artesanal de uma beleza estonteante.

Seu interior é gótico e tem mobiliário dignos de interesse, como um Cristo feito em madeira nogueira do século XV, um retábulo barroco todo entalhado com uma Pietá em madeira dourada do século XVIII. Preciosidades dignas de registro pela qualidade dos trabalhos.

Seguimos entusiasmados pelas ruas medievais da pequena cidadezinha e a cada passo nos deparávamos com ruelas notadamente preservadas. A comunidade se empenha ao máximo para manter as características do povoado da melhor maneira possível.

Em frente à igreja se encontra “Le Manoir des Sires de Calmont, atual prefeitura da cidade. O edifício foi construído no século XII pelo Conde de Calmont e apesar de ter sido restaurado várias vezes, o tempo o castigou. No entanto preserva duas torres do século XIV que chamou muita a minha atenção pelos dados arquiteturais medievais que contém. Embora fosse um internato religioso escolar até 1891, depois passou para as mãos da família Castelnau Curières que vendeu para o município em 1970 onde foi instalada a Câmara Municipal.

Caminhamos pelas suas ruas ainda por um bom tempo e regressamos à cidade velha até chegar à “La Maison des Consuls Rodelle”, localizada em uma das ruas mais antigas da vila (Rue du Four) mais uma vez observamos várias casas do século XIV, XV e XVI. Destaca-se as suas janelas de formas curiosas e bem cuidadas.

Retornando ao ônibus percebi que sentiria uma enorme saudade desta pequenina, mas bela cidadezinha francesa. Acolhedora nos proporcionou retornarmos ao sublime medievo. Simples e espontâneo. Até a volta.

Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista.

Notre Dame de Grasse – Sublime Paz

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No meu segundo dia em Toulouse, França, tive o privilégio de visitar o Museé des Augustins. Depois de tantos anos estudando a Idade Média me deparei com uma obra divina. No primeiro momento que olhei para a estátua de Notre Dame de Grasse, senti a mão da mãe de Jesus me acariciar. A sensação foi de uma enorme paz. Senti, perfeitamente sussurros em meu ouvido dizendo, “vá em paz e mostre-lhes o caminho do bem”.

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Sem dúvida, para mim, a representação da Virgem e o Menino mais impressionante da Baixa Idade Média. Ela contém, um nome, de uma inscrição com caracteres góticos que se encontra na sua base, em ambos os lados em um escudo infelizmente inelegível. Se a sua proveniência local, parece assegurada, o seu autor é de difícil analise e decifração. Somente o estudo estilístico ajuda a colocá-la nos anos 1460-1480. Seu rostinho com um olhar pensativo e melancólico é encontrada particularmente em grande parte na escultura local, do Tarn e Aveyron; os seus vestidos longos, caindo aos pés da Virgem, é uma característica das obras sacras femininas da região. Um trabalho exemplar de restauração foi feito para restabelecer esta magnífica obra e a sua delicada policromia de origem.

O estudo de sua restauração também forneceu uma oportunidade única para melhorar o conhecimento da obra e sua história. Uma comissão foi convocada, composta por historiadores, acadêmicos, curadores e restauradores, para ajudar o museu nas melhores escolhas para a sua restauração mais aproximada da obra original.

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Escultura icônica do Museu Augustins e da cidade de Toulouse, Notre Dame de Grasse tem sido objeto de uma atenção muito especial dos visitantes do museu.

Hoje a restauração está concluída e a sua beleza encanta, cativa nos hipnotiza de uma maneira prazerosa e respeitosa. Apesar de não sabermos o autor da obra, fica-nos a impressão que nos foi agraciada pelo Espírito Santo tamanha singeleza e perfeição.

De acordo totalmente com o grande historiador francês Phillippe Ariès minhas considerações a respeito da Virgem é coincidente em seus extremos elogios; cita o grande observador da História;

“Si, dans une fuite de fin du monde, il me fallait n’emporter qu’une seule œuvre d’art, peinture ou sculpture, je ne me laisserais pas tenter par les plus célèbres, vues et revues cent fois avec la même délectation, une prédelle du Sassetta, un Vermeer, un Manet, non, sans hésiter, je choisirais : Notre-Dame de Grâce. Ravissante, elle ne manque pas de rivale dans le charmant art marial du XIVe au XVIe siècle. Mais aucune n’est aussi proche de mon cœur, aussi liée à ma vie”.

Phillippe Ariès, “Notre Dame de Toutes les Grâces”, Le Nouvel Observayeur, 23-29 décembre 1983, p. 40.

Sublime Virgem, Paz que emana, agradeço a oportunidade de tê-la conhecido, tocá-la. Notre Dame de Grasse não se preocupe seus pedidos em seus sussurros eu estou repassando-os da melhor maneira possível para os homens de boa vontade.

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Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador, Escritor Medievalista.

Este artigo é uma homenagem para a minha querida amiga Patricia Jane Dugan.

 

 

Notre Dame de Paris – A Essência da Arte

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Nossa Senhora, Paris aos seus pés. Abe Deo Vincit Notre Dame

Uma emoção avassaladora tomou conta do meu peito quando vi a  Catedral de Nossa Senhora de Paris pela primeira vez. Meus pés pareciam flutuar, minha mente demorou alguns segundos para se recompor. Lá estive por três vezes, mas a última, quando consegui  a oportunidade de trilhar as maravilhas da Sagrada Senhora sozinho foi inesquecível. A partir dali a minha vida não foi a mesma pois levei em minha mente mais 800 anos de História, foi perfeito. A Catedral, conhecida como Notre Dame de Paris (Nossa Senhora de Paris) é um ponto de referência histórico, um pilar de Arte, a fundação da espiritualidade, e claro, um local imperdível em Paris!

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A Catedral de Notre Dame de Paris, foi considerada por Victor Hugo como o paradigma das catedrais francesas, estabeleceu o modelo ideal do templo gótico, constituindo um dos exemplos mais equilibrados e coerentes deste período.

Relatando a minha experiência digo-lhes que assim que você chegar à grande praça em frente à catedral em Ile de la Cite, um certo silêncio toma conta de você; do tipo que preside à abertura de um livro. Um espírito de competição tomou conta do século XII no que se referia à construção de catedrais. O desconhecido mestre (idealizador e construtor) dos trabalhos de Notre Dame em Paris, logo no início do trabalho em 1150, decidiu que esta catedral seria a mais alta igreja existente na época. Assim os trabalhos começaram e, quando o coro estava praticamente terminado, foi tomada mais uma corajosa decisão, aumentar ainda mais a altura da catedral, agora a uma altura um terço mais alta do que qualquer outra catedral existente.

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Notre Dame tornou-se assim um lugar de grandes discussões pois, além da beleza criada pela grande altura, muitos problemas, nunca antes enfrentados, começaram a surgir. Sua altura se tornou tão grande que a luz que entrava pelas janelas situadas na parte superior das paredes da catedral não atingia o chão. Quanto mais alta ficava sua estrutura, mais problemas eram encontrados, dentre eles a grande velocidade e, principalmente, a grande pressão dos ventos.

A perfeição e habilidade do trabalho de Jean de Chelles, desenvolvendo a geometria e supervisionando o corte das pedras, foi tanta que essa moldura de pedra vem suportando 117 metros quadrados de vidros há mais de 700 anos e, nos 100 anos seguintes, pouco menos de 20 janelas tentaram superá-la em tamanho, porém nenhuma realmente conseguiu.

z906Nossa Senhora de Paris tem contado uma história desde que ela foi consagrada em 1163. Ela é ao mesmo tempo uma bíblia e uma lição sobre a moralidade. Apenas, doutrinas e símbolos do Livro foram substituídas por expressões em pedra e vitrais. A Torre, na fachada ocidental, são três portas maravilhosas com entalhes perfeitos, arte pura, com ricos significados simbólicos, convidando-o a entrar em uma das mais belas igrejas góticas do mundo.

z907Esculturas elaboradas de pedras decoram as três entradas que são de tamanhos diferentes: a central, conhecida como Juízo Final, a do Sul ou a porta de Saint Anne, e a porta da Virgem ao Norte. As torres são de uma beleza indescritível, olhando para cima vê-se duas incríveis torres do século XIII que abraçam o céu parisiense. Conforme você sobe os 387 degraus, dê uma olhada mais de perto na galeria das quimeras. Representações, como Stryge, a gárgula no relógio no topo de Paris, vão deixar você sorrindo, chocado, e em perplexidade. Quando você retomar o fôlego, fique cara a cara com Emmanuel, o grande burdon e maior sino da catedral. Três janelas de rosas dentro do edifício, lhe farão incrédulos, uma lição sobre a perspectiva e efeitos de iluminação o aguardam.  Fiquei paralisado quando fitei os deslumbrantes 12,9 metros de largura do grande vitral, filtrando a luz para revelar a majestade da arquitetura medieval. Os pilares assustadores que parecem desafiar gravidade suportando a 33 metros de altura o teto abobadado. Outros tesouros históricos podem ser vistos como: Relíquias da Paixão, as joias da Notre-Dame de Paris que se encontra na abertura da sacristia no lado sul do coro. Cerca de 13 milhões de visitantes anuais migram para ver o relicário mais precioso e objeto mais reverenciado: a coroa de espinhos. Outras relíquias exclusivas incluem um fragmento da Vera Cruz, enfim Notre Dame é um épico da História universal, A “The Best” das catedrais medievais. z908

A Joana d’Arc de Notre Dame seguidamente me vem em meus sonhos. Tenho certeza absoluta que a santa guerreira olha por mim e aos meus todos os dias. Benditas preces. Minhas lembranças da grandiosidade do prédio não me saem da cabeça. 

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Saudades, saudades, muitas. Decididamente e comprovadamente o “Medievo Bonito” demonstra a sua magnitude e o legado universal da Catedral de Notre Dame continua a viver.

a900Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador, Escritor Medievalista.

Esse texto eu dedico para a minha família, Razão do meu seu ser e das minhas atitudes.

Gladius Auxilius Nobis

 

Cavalaria do Medievo Miles Seculi – Natureza e Sentido

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A forma exterior da Cavalaria, foi sem dúvida, cristã. Elaborada pela igreja, foi o resultado de um longo e exaustivo esforço desta para enquadrar e canalizar o ardor de gerações de guerreiros, afim de lhes dar acesso à graça, portanto ao Reino de Deus. Ao guerreiro bravo, forte, a igreja repassa a ideologia do guerreiro benfeitor, exemplo edificante dos santos militares, o soldado que coloca a sua espada ao serviço de Deus e da Igreja, dando-lhe, através disso, uma mística própria. Propõe ao cavaleiro, integrado na vida secular, o miles seculi, uma vida particular que lhe permite, pelo ofício das armas e segundo a sua própria natureza, agir em função de um estado de espírito e de escolhas pessoais, no sentido de realizar harmoniosamente a sua vocação espiritual e temporal.

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A Cavalaria é constituída sob a forma de “corpo” e definida pelos textos e manuscritos medievais como uma “confraria de guerreiros íntegros” possuindo o seu código de conduta, os seus santos protetores, os seus mitos fundadores, os seus ritos (velada de armas, palmadas, etc.), o seu simbolismo (espadas, esporas, estandartes, etc.), os seus mestres (senhores) os seus companheiros (os Cavaleiros investidos), os seus aprendizes (os escudeiros).

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De acordo com os meus estudos e com a minha sensibilidade que não me abstenho de maneira alguma, a Cavalaria medieval, em sua essência provém de um ethos não cristão, o qual em muitos pontos, é incompatível com os Evangelhos, e não me parece seguir rigorosamente os ensinos e regulamentos da igreja. Se é verdade que a totalidade dos Cavaleiros é cristã, frequentemente de forma não ortodoxa, não hesitando em dar a vida pela sua fé, também não restam dúvidas de que ideais básicos da sua ética provêm de valores pagãos.
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Deste modo, dando prioridade às noções de fidelidade, de honra, de sacrifício, de respeito pela palavra dada, as noções de covardia e de vergonha (mais do que pecado) que mancham a honra do homem e da sua linhagem, de lavar uma injustiça pelo sangue (mais do que o perdão cristão), de querer a paz pela vitória das armas (noção romana), etc., o Cavaleiro afirma claramente uma ética heroico-pagã, no seio de um universo superficialmente cristão. Podemos estender tais constatações à prática do “julgamento de Deus” à “prova pelas armas”, reconhecida como válida pelo direito feudal e pelo direito canônico, para provar a excelência do seu direito, reparar a honra injuriada ou ainda humilhar um perjuro ou um herético. Esta prática esteve ligada à teoria mística da vitória unida ao espírito, que proporcionava ao vencedor, para além da glória, o fogo divino próprio da natureza solar, uma espécie de acesso a transcendência e de reconhecimento divino, com Deus favorecendo o “justo”, tornando um “ser” tão próximo dos “céus” como o poderia ser um santo, e punindo o vencido como culpado ou pecador pela sua falta. Todos estes usos, estranhos às religiões dualistas semitas, forma encontrados, pela Igreja triunfante, vencedora, tão bem implantados no seio das populações recentemente cristianizadas, que não pôde senão integrá-los no seu “corpo” doutrinal, dando-lhes uma coloração cristã através de um revestimento teísta e moralizador. É assim possível falar, não de uma cristianização destas práticas, mas da manutenção da antiga virilidade espiritual sob uma forma cristã, “onde a via do guerreiro sacral se substitui à do santo ou do devoto”. A mais bela ilustração disto foi a ideia nórdico-romana, de que a prova das cruzadas constitui uma espécie de Athanor*, vivido pelo Cavaleiro como uma possibilidade de transcender a sua natureza humana; e o seu corolário, a morte física, a fim de aceder à imortalidade da alma, seguindo nisto a recomendação de São Bernardo de Claraval*, de “conquistar o Paraíso pela espada”

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São Bernardo de Claraval

 

*O athanor também chamado forno cósmico, é um forno utilizado na alquimia para fornecer calor para a digestão alquímica. Era considerado o forno filosófico, o qual deveria permitir a obtenção da pedra filosofal (lapis philosophorum)
*Bernardo de Claraval foi um influente abade da Igreja Católica na Idade Média. Nascido em 1090 em Borgonha, Bernardo era proveniente de uma família nobre e era um dos sete filhos de Tescelin Sorrel com Aleth de Montbard. Iniciou muito cedo sua vida religiosa. Aos nove anos de idade começou seus estudos na Escola Canônica de Châtillon-sur-Seine. Pouco tempo depois, optou por ingressar na Abadia de Cister. Entusiasta da vida religiosa, Bernardo convenceu vários amigos e parentes a ingressarem também na vida monástica, levando consigo mais 30 candidatos para a Abadia. Em função da dedicação religiosa de Bernardo, foi designado para um projeto que seria de grande apreço para o resto de sua vida, a fundação de uma casa cisterciense em Ville-sur-la-Ferté. A fundação foi chamada de Claraval e Bernardo foi nomeado como abade. Isso tornou Bernardo conhecido como Bernardo de Claraval. Bernardo de Claraval teve anos iniciais difíceis com regras religiosas severas. Porém era um religioso dedicado e interessado. Sua abadia cresceu satisfatoriamente, a ponte de, em 1118, outras serem fundadas para não superlotar Claraval. No ano seguinte, Bernardo de Claraval escreveu suas primeiras obras que aumentariam sua popularidade. Destacou-se também como defensor do reformismo do clero. No final da década de 1110, foi fundada no Oriente a Ordem dos Cavaleiros do Templo de Salomão, ou simplesmente Templários. Alguns anos depois, Bernardo de Claraval tomou conhecimento do objetivo dos monges guerreiros e tornou-se um defensor do ideal. Bernardo de Claraval foi responsável por fazer chegar ao papa Honório II a informação sobre o objetivo dos Templários e, com isso, buscar o reconhecimento e o apoio da Igreja Católica. O encontro com o papa ocorreu no Concílio de Troyes, em 1128, o qual foi muito influenciado por Bernardo. Este conseguiu o reconhecimento da Igreja Católica sobre os Templários e ainda ficou encarregado de escrever o estatuto da Ordem. Bernardo de Claraval, após o Concílio de Troyes, tornou-se uma personalidade muito respeitada no mundo católico, com liberdade para intervir em assuntos políticos e com voz de destaque na defesa dos direitos da Igreja. Com o falecimento do papa Honório II, criou-se um cisma, mas foi Bernardo que influenciou pela escolha de Inocêncio II como papa. Mais tarde, em 1145, Bernardo seria responsável diretamente por outro papa, Eugênio III. Após longos e influentes anos de vida religiosa, Bernardo de Claraval foi responsável por fundar 72 mosteiros, havia mais de 500 abadias cistercienses e mais de 700 monges ligados a Bernardo de Claraval. Bernardo de Claraval faleceu em 1153. Muitos milagres foram atribuídos a ele e o papa Alexandre III o canonizou em 1174 e, muitos séculos mais tarde, foi declarado Doutor da Igreja pelo papa Pio VIII.
Imagens pesquisadas junto à British Library, Londres, Inglaterra.

 

Paulo Edmundo Vieira Marques – Professor, Historiador e Escritor Medievalista